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O que super-heróis e universos fantásticos têm a ver com saúde? A designer nerd (com orgulho!) Mayla Tanferri explica por aqui
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Frankenstein pode ter impedido a extinção da humanidade

A obra introduziu um conceito que, mais de um século depois, seria usado para explicar o fim de várias espécies (e para ajudar a evitar o nosso)

Por Mayla Tanferri Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 Maio 2017, 18h05 - Publicado em 2 Maio 2017, 17h05
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  • Desde que os seres humanos começaram a imaginar as possibilidades fantásticas em torno da manipulação da vida e da criação de novas espécies, passamos a temer as consequências do que aconteceria ao cruzarmos esse limite. O gênero da ficção científica nasceu desse debate — e, hoje, é difícil distinguir se os “cientistas da sétima arte” influenciam mais os “roteiristas da arte da cura” ou vice-versa.

    Acompanhar (ou antever) a evolução da ciência e da tecnologia é um elemento recorrente nas produções da cultura pop. E, claro, isso muda com o tempo e com o avançar do nosso conhecimento. Se há dez anos as tramas eram construídas mais em torno do medo de enfrentar o supernatural ou o fantástico, hoje nossos maiores medos repousam sobre conspirações tecnológicas. Ou sobre uma eventual luta contra nós mesmos, ou semelhantes mais fortes ou inteligentes.

    Mas esse enredo está longe de ser revolucionário. Na verdade, é uma referência clássica à obra considerada precursora da ficção científica. Em “Frankenstein”, romance que irá completar seu bicentenário em 2018, a autora britânica Mary Shelley conta a história do cientista Victor Frankenstein e de seu ato de ressuscitar um cadáver que irá materializar seus piores pesadelos. Criatura sem nome*, saliento aqui.

    Em uma das cenas fundamentais do livro, a Criatura pede a Victor uma companheira para aliviar sua solidão. Em um primeiro momento, o cientista cede à requisição, porém, ao considerar o potencial reprodutivo de seres como aqueles, teme pela extinção da raça humana e destrói a versão feminina antes de lhe dar vida.

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    O que Victor não sabia é que seu ato — causado por uma “sensação de loucura”, como o próprio personagem descreve no livro — repercutiria para fora da ficção científica. Ao menos é o que reforça um estudo publicado recentemente na revista BioScience. Nele, os autores se apoiam na cena descrita acima para mostrar que a obra antecipou um dos princípios fundamentais da biologia: a exclusão competitiva.

    O que é exclusão competitiva

    Também chamado de Princípio de Gause (em referência ao biólogo russo Georgii Frantsevich Gause), o conceito preconiza que duas espécies que competem pelos mesmos recursos não podem coexistir de forma estável. A exclusão competitiva é aplicável nas mais diversas áreas, inclusive na saúde. Recentemente, um grupo brasileiro que atua no mercado de nutrição animal anunciou o lançamento de um prebiótico que promove a exclusão competitiva de bactérias invasoras do intestino, como a salmonela.

    Baseados em modelos matemáticos desenvolvidos por ecologistas, os autores desse novo trabalho exploraram se, e com que rapidez, uma população em expansão de Criaturas como as feitas por Frankenstein levaria à extinção da humanidade. Os cálculos partiram das densidades populacionais humanas em 1816, descobrindo quais seriam as vantagens competitivas desses rivais sob diferentes circunstâncias.

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    Agora um anexo: quando pede a Victor Frankenstein que faça sua alma gêmea, a Criatura promete que se isolaria nas “vastas selvas da América do Sul”. Isso justamente para não competir diretamente com os seres humanos por recursos naturais. Mas é exatamente na América do Sul que os modelos matemáticos do artigo citado previram o pior cenário.

    Uma vez que, séculos atrás, a região tinha densidade populacional muito baixa, o embate por recursos seria igualmente menor. Isso catalisaria o estabelecimento de uma população invasora, acelerando assim a extinção da população residente. Quando menos percebêssemos, uma horda de Criaturas começaria a migrar para outras regiões do planeta!

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    Segundo Nathaniel Dominy, professor de antropologia e ciências biológicas da Faculdade de Dartmouth (EUA) e um dos autores do estudo, o cálculo previu que uma população original de duas Criaturas na América do Sul nos levaria à extinção em 4 mil anos.

    Desde a publicação de Frankenstein em 1818, a população humana cresceu para cerca de 7,35 bilhões de pessoas. Em paralelo, centenas de espécies foram extintas — muitas devido a competições conosco ou com espécies invasoras.

    Isso que é vislumbrar o futuro

    Nathaniel salienta que o princípio da exclusão competitiva não foi definido formalmente até a década de 1930. Isso torna a escritora Mary Shelley não só fundadora do gênero da ficção científica, como potencial precursora de um conceito altamente relevante para a biologia. Peço licença ao Português para entoar por aqui, em alto e bom som, um “Respeita as mina” — tanto as da ciência como as da ficção.

    Justin Yeakel, professor na Escola de Ciências Naturais da Universidade da Califórnia (EUA) e coautor do mesmo experimento, diz que a maioria dos estudiosos se concentrou no talento de Mary Shelley em abordar a alquimia, a fisiologia e a ressurreição de maneira única. Entretanto, a genialidade da autora reside, de fato, na forma como ela combinou debates científicos existentes para antever possíveis cenários para a humanidade — e, assim, inventar o gênero de ficção científica.

    Embora a pesquisa de Yeakel e Nathaniel se baseie na existência de um ser imaginário, traz à tona o real horror de Frankenstein: nossa própria extinção. E ainda destaca implicações fora da ficção. Mais vale uma Criatura de coração partido do que toda a humanidade de coração na mão, não é mesmo?

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    Um novo Frankenstein

    Fãs de “Westworld” (produzido e exibido pela HBO) têm alimentado diversas teorias e discussões online sobre como o seriado traça paralelos ao romance de Mary Shelley. Baseado no filme homônimo Westworld – Onde Ninguém tem Alma (1973), a obra introduz um parque temático com cenários fiéis ao velho oeste americano, mas povoado por androides quase indistinguíveis de pessoas reais. O local seria a mais nova forma de entretenimento e escapismo.

    Nele, os convidados podem participar de tramas pré-concebidas onde, de um jeito sádico e perverso, crimes não são condenados. Isso até as máquinas anfitriãs começarem a agir contra a sua programação. Assim como Frankenstein previu a extinção da humanidade, devemos considerar a possibilidade de um apocalipse robô? Deixe sua opinião nos comentários!

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    *Após a série de filmes de 1930, tornou-se comum associar a Criatura ao título do livro “Frankenstein”. Porém, ela nunca recebeu um nome no romance. Victor inclusive se referia à criatura como demônio e monstro em diversas passagens.

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