No dia 24 de novembro de 1859, foi publicado o livro “A origem das espécies”, do naturalista inglês Charles Darwin, no qual, após 20 anos de trabalho, ele demonstrava como variações em indivíduos de uma espécie poderiam favorecer um maior sucesso evolutivo por meio da seleção natural.
Oito anos antes, sua filha Anne Elizabeth Darwin, de 8 anos de idade, morreu possivelmente de tuberculose, o que o afetou profundamente.
Também em 24 de novembro, mas em 2021, uma linhagem até então desconhecida do Sars-CoV-2, causador na Covid-19, foi relatada na África do Sul.
Nomeada com a letra grega Ômicron, a variante não tem apenas dezenas de mutações na proteína de espícula que fica no envelope viral quando comparada ao primeiro Sars-CoV-2, mas também em muitas proteínas menos famosas escritas no seu genoma de quase 30 mil letras.
O que mais temos ouvido ou lido atualmente sobre a Ômicron é que ela é uma variante mais “boazinha”, que causa só casos leves e vai nos infectar, tornando-nos naturalmente imunes à doença. Por isso, poderíamos respirar aliviados, porque ela representa, finalmente, o fim da pandemia.
Mas será mesmo que é assim tão fácil entender a Ômicron?
Há dados indicando que a severidade da infecção pela nova variante é menor e, dessa forma, os infectados não precisam ser internados como antes. Mas também há informações que não mostram diferenças entre pacientes com Ômicron e com outras variantes.
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A verdade é que não há um consenso, e isso se explica possivelmente pelos diferentes níveis de imunidade na população devido à vacinação, que tem a função justamente de diminuir a severidade dos sintomas da Covid-19.
Precisamos lembrar, inclusive, que a imunidade contra o coronavírus tem vida curta, e o cenário pode mudar conforme essa proteção se altera nas pessoas.
Devemos ter em mente também que a Covid-19 não é só uma doença respiratória aguda, mas que apresenta uma forma crônica e, meses após infecção inicial, pode ter consequências neurológicas, renais, cardíacas e até levar à trombose. Não há como saber como será a forma crônica da Ômicron, pois só a conhecemos há dois meses.
Quanto à capacidade de transmissão, será que podemos mesmo dizer que o novo pico de casos que estamos vendo atualmente é culpa da Ômicron ou será que nosso comportamento relaxado nas festas e férias facilitaram sua disseminação?
Será que ela é mais transmissível ou foi só mais transmitida? Até agora, as provas obtidas colocam a culpa apenas do nosso lado.
As vacinas funcionam contra a Ômicron?
Temos dois tipos de imunidade após uma infecção ou a vacinação: anticorpos e células imunes.
Sabe-se que as mutações na proteína de espícula da Ômicron fazem com que ela fuja um pouco dos anticorpos. Mas a variante não escapa das células imunes, que ajudam os anticorpos a nos proteger – isso também é válido em relação a outras cepas até agora conhecidas do Sars-CoV-2. Ter a vacinação em dia, então, nos resguarda contra a Ômicron.
Mas por que estamos vendo que a Ômicron vai tomando o lugar da Delta e da Gama?
Aqui entra Darwin: se os anticorpos que formamos contra a Delta e a Gama impedem totalmente a infecção por elas, e se há a emergência de uma variante com alguma chance de escapar dos anticorpos (nesse caso, a Ômicron), a nova cepa leva vantagem e toma o lugar das demais, que tendem a ser extintas. É a seleção natural no mundo dos vírus.
Aí, por um tempo, a Ômicron pode ser a dominante – mas só até que nossa imunidade a leve à extinção, em conjunto com outra variante que venha a surgir.
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Em algum momento, a pandemia vai acabar. Mas não será o fim do Sars-CoV-2. Talvez a gente entre em equilíbrio com o vírus. Mas essa hora ainda não chegou.
Será que não tem por aí alguma outra variante realmente mais agressiva do que a Ômicron? Não sabemos. Para dizer qual variante está em um paciente, temos que olhar para o genoma dela só depois do diagnóstico por RT-PCR ou pela prova de antígeno.
Só que a porcentagem de amostras testadas para genomas é ínfima quando comparada ao número de casos. Ou seja, simplesmente não sabemos quais variantes estão escondidas por aí.
A Ômicron não é nenhuma boa notícia. Ainda não é a hora de relaxar. Temos que continuar com as medidas de distanciamento social e o uso de máscaras. Temos que confiar no que nos diz a ciência e continuar as campanhas de vacinação – inclusive o quanto antes entre as crianças, para que não tenhamos casos tão tristes como o da pequena Anne Darwin.