O começo de uma nova era
Esta é uma história com ares de futuro, mas que já está mudando vidas hoje. Uma história que, a bem da verdade, começou há muito, muito tempo… lá no século 19. O pontapé inicial foi dado pelo cirurgião americano William Coley (1862-1936). Intrigado com uma vítima de câncer que havia se curado após uma infecção severa, ele postulou que nossas células de defesa, quando superativadas, erradicariam o tumor.
Coley logo passou a infundir germes em pacientes. Alguns poucos até melhoraram, porém vários morreram do ataque bacteriano. Sua tática não funcionou, mas deixou um legado: incitar o sistema imune pode ser uma saída para ganhar a luta contra o câncer. Ao longo de mais de 100 anos, os cientistas entenderam como essa doença firma um tratado de paz com as tropas do organismo e conseguiram criar remédios para rasgar esse armistício.
A imunoterapia de hoje gera tanto furor que flexibilizou um tabu entre os médicos: o receio em falar de “cura” nos casos avançados. “Isso talvez mude com a imunoterapia. Em certos cânceres, até 30% dos pacientes tratados parecem estar livres da doença após cinco anos”, nota Fábio Schutz, oncologista do Hospital BP Mirante (SP). “Temos de aguardar, mas é possível que estejamos curando esse pessoal, algo impensável antes.” São muitas as inovações e perspectivas nessa área, já encarada como um novo pilar terapêutico. Para você conhecê-las melhor, temos de lhe apresentar uma menina, Emily Whitehead.
Quem é Emily Whitehead? Em abril de 2012, uma garotinha americana com leucemia linfoblástica aguda – o tipo mais comum de câncer infantil – havia passado sem sucesso pelos tratamentos usuais. Numa última cartada, seus pais a levaram ao Hospital de Crianças da Filadélfia, onde foi testada uma abordagem chamada CAR-T Cells, ou Linfócitos T com Receptores Quiméricos de Antígenos. Parece coisa de ficção científica, mas é imunoterapia de última geração.
Resumindo: os médicos extraíram células de defesa (os linfócitos T) de Emily e mexeram no DNA delas para que desenvolvessem um receptor capaz de identificar células malignas. Esses supersoldados foram reinseridos na garota na esperança de que bombardeassem o inimigo. “Em maio, não havia sinal da enfermidade”, lembra-se Stephan Grupp, médico responsável pelo atendimento.
Emily, então com 7 anos, foi a primeira criança submetida às CAR-T Cells. Passados cinco anos (curiosamente, o período que se costuma esperar antes de declarar a cura de um câncer), a já adolescente esteve numa reunião de conselheiros do Food and Drug Administration (FDA), órgão que regula medicamentos nos Estados Unidos.Lá, ouviu o pedido unânime de aprovação da técnica para crianças e adultos jovens com aquele tipo de leucemia e que passaram por outros tratamentos. No último dia 30 de agosto, as CAR-T Cells que salvaram Emily, da Novartis, foram liberadas em território americano.