Ganhar massa muscular, trincar a barriga, turbinar a performance no treino… Aspirações, promessas e opções nas gôndolas não faltam.
Dá para dizer que o setor de suplementos alimentares com foco em exercícios nunca esteve tão aquecido no país.
Um levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad) constatou que, entre 2015 e 2020, houve um aumento de 10% na população que consome suplementos — seis em cada dez lares contavam com pelo menos uma pessoa fazendo uso desses produtos.
Neste ano, a venda da categoria em farmácias chegou, pela primeira vez, à casa dos três dígitos: segundo a IQVIA, a receita anual bateu 102 milhões de reais em fevereiro, decolando 165% desde 2019.
Nesse contexto, outra pesquisa da Abiad aponta um crescimento de 25% no segmento de concentrados de proteína, representados pelo popular whey protein, em 2022.
“Esse é um movimento relacionado à busca por qualidade de vida e bem-estar, em que o suplemento passa a fazer parte de uma rotina mais saudável”, acredita Thaise Mendes, presidente da entidade.
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Dentro dos objetivos dos consumidores, ganham relevo as metas de melhora no desempenho esportivo e ganhos estéticos.
Por isso, os especialistas defendem que é preciso entender melhor o que é o quê nesse universo de pós, cápsulas e afins, suas indicações corretas e inclusive o fato de que, nesse mercado, disputam espaço produtos de boa qualidade nutricional com outros sem eficácia comprovada ou concebidos com matéria-prima inferior.
Como o nome da classe sugere, suplementos têm a missão de dar um apoio ao que se obtém naturalmente com a comida.
Thaise acredita que esse entendimento está sendo assimilado pelos brasileiros: “Nossa pesquisa mostrou que as pessoas já entendem que eles são um complemento à alimentação. E que, mesmo que as refeições sejam balanceadas, às vezes pode haver alguns déficits”.
Um exemplo cada vez mais comum: nem sempre homens e mulheres que fazem academia repõem a cota adequada de proteína. Nesse caso, um produto como o whey pode ser útil.
Mas, para identificar as carências e poder supri-las direito, o ideal é passar em consulta com um profissional de saúde, de preferência um nutricionista.
“É preciso avaliar a dieta e entender as necessidades de cada um para depois pensar se realmente serão necessários suplementos”, afirma a nutricionista Sueli Longo, autora do Manual de Nutrição para o Exercício Físico (Atheneu).
Esse acompanhamento personalizado não só ajuda a definir o tipo de produto, a dose e a melhor forma de consumi-lo como também a programar o momento certo para isso (se antes ou depois do treino). “Temos de levar em conta idade, sexo, intensidade da atividade física e o histórico de saúde do indivíduo, incluindo a presença de doenças crônicas”, resume Sueli.
Esqueça o conselho do colega que se reveza nos aparelhos da academia com você. A indicação dos suplementos deve ser individualizada porque, além de corpos diferentes, temos objetivos e treinos diferentes.
Se você faz musculação três vezes por semana, em um ritmo moderado, será que vale a pena recorrer ao mesmo produto de um atleta de alto rendimento? Talvez não. E, mesmo que isso faça sentido, é provável que as doses e formas de uso variem.
É bom ter isso em mente inclusive para calibrar as expectativas. Shakes, géis e cápsulas podem, sim, ajudar, mas seus resultados muitas vezes são considerados “marginais” ou “limitados” entre as pessoas que se exercitam buscando condicionamento e bem-estar.
“O princípio básico é que os efeitos são pequenos”, afirma Guilherme Artioli, professor de fisiologia da Universidade Metropolitana de Manchester, na Inglaterra.
“Por isso são os atletas que mais se beneficiam deles. Para quem compete profissionalmente, uma melhora de 3% no desempenho faz a diferença”, completa.
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Fato é que a maioria de nós não procura ganhar medalhas ou quebrar recordes no dia a dia. Nessa conjuntura, uma alimentação disciplinada e ajustada a uma rotina de exercícios pode viabilizar as metas na frente e longe dos espelhos.
E não tem segredo: cabe de tudo um pouco, desde que se respeitem porções e restrições individuais e não se deixe de contemplar frutas e hortaliças, fontes de proteína (preferencialmente as magras) e os carboidratos complexos dos alimentos integrais.
“Assim fornecemos uma variedade de vitaminas, minerais e antioxidantes importantes para a recuperação muscular e o desempenho físico”, explica a nutricionista Érica Oliveira, do Centro de Medicina do Exercício e do Esporte do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.
É claro: na correria habitual, seguir à risca as recomendações para uma dieta balanceada pode soar um desafio. Alimentos saudáveis muitas vezes acabam sendo mais caros e, ainda que caibam no bolso, exigem tempo e habilidade para o preparo.
A realidade nua e crua é que, com frequência, refeições e lanches desequilibrados são escalados, abrindo espaço para lacunas nutricionais. E, aí, os suplementos pedem passagem.
“Sabemos que para algumas pessoas a suplementação é indicada por uma questão de não conseguir se alimentar nos horários adequados”, diz o nutricionista Eduardo Reis, da Associação Brasileira de Nutrição Esportiva (ABNE).
“Mas, mesmo nesses casos, o ideal é tentar reorganizar a rotina, porque a alimentação não é algo que deve ser pensado apenas para hipertrofia muscular ou emagrecimento”, pondera.
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Eis que, feitas as ressalvas e ajustado o cardápio diário, você e o profissional que o acompanha concluem que um suplemento será bem-vindo.
Isso não é uma carta branca para correr em busca do primeirão potão de whey protein, levando só em conta o sabor e as vantagens estampadas na embalagem.
Antes de qualquer compra, convém conhecer esse nicho de produtos e se familiarizar com suas propostas e efeitos no organismo. Não é só uma questão de resguardar a saúde, mas de entender que alguns deles podem ser inócuos para você ou ostentar promessas fraudulentas.
“Para suplementos proteicos e calóricos, o maior efeito colateral chama-se jogar dinheiro no lixo e, eventualmente, ganhar peso”, brinca o médico Felipe Gaia Duarte, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia de São Paulo (Sbem-SP).
No passado, havia temores de que produtos como o whey poderiam causar problemas renais e hepáticos, mas novos estudos vêm mostrando que a história não é bem essa.
Duarte esclarece que, para essas substâncias provocarem uma desordem mais séria, a “overdose” teria que ocorrer em um nível dificilmente viável, inclusive do ponto de vista financeiro.
“Pessoas com alguma predisposição até podem ver uma condição piorar em função disso, mas é pouco provável que o suplemento desencadeie o processo por si só”.
Isso não quer dizer que esses produtos estejam totalmente isentos de levar a outras chateações. Dependendo dos ingredientes presentes, o consumo pode levar a reações alérgicas, flatulências e distensão abdominal.
O próprio whey, um dos mais seguros, tem sua versão mais comum produzida a partir do leite, o que o torna uma opção contraindicada a quem tem alergia à proteína dos lácteos ou intolerância à lactose.
Para esse público, existem opções feitas com ovo ou mesmo proteínas de origem vegetal.
Outros suplementos, caso de vitaminas lipossolúveis (aquelas que ficam armazenadas na gordura corporal), podem gerar quadros de toxicidade se consumidos indiscriminadamente, com sintomas que vão desde dores de barriga e náuseas até problemas de saúde mais graves, além do risco de interação negativa com medicamentos prescritos.
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Os produtos hipercalóricos, por sua vez, só fazem sentido se o ritmo de atividade física é intenso — mais de 90 minutos diários. Do contrário, para que energia extra?
“A maioria desses suplementos concentra muita gordura e açúcar. E aqueles com carboidratos complexos, os mais recomendados, são mais caros, afastando o consumidor leigo”, esmiúça Reis.
Embora haja regulamentação para o mercado de suplementos, especialistas apontam que a fiscalização no Brasil deixa a desejar — e, como eles podem ser adquiridos sem prescrição, muitos consumidores acabam entrando na onda sem a devida orientação.
Ler e entender o que diz o rótulo dos produtos ajuda, mas está longe de resolver as coisas. Foi o que descobriu Félix Bonfim, empresário do ramo de suplementos que há uma década começou a realizar análises laboratoriais do que era vendido pelo país.
“Já vi produtos proteicos com teor de carboidratos muito maior do que o informado e ‘creatinas’ que nem sequer tinham creatina na composição”, relata. “Empresas pouco confiáveis adulteram os suplementos e colocam concentrações muito abaixo do anunciado para fazer uma concorrência desleal”, alerta.
Por isso, o primeiro sinal de que algo pode estar errado é o pote ser barato demais, destoando dos similares.
A iniciativa de Bonfim rendeu trabalhos mais abrangentes, como o Programa de Automonitoramento da Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri).
Em parceria com a Anvisa, a entidade faz e divulga análises dos suplementos à venda para avaliar se as substâncias presentes nas fórmulas e suas quantidades condizem com a embalagem.
Para atletas, a importância de saber exatamente o que está consumindo é ainda maior, já que, fora os efeitos no rendimento físico, um contaminante desconhecido poderia ser enquadrado como doping e provocar uma suspensão das competições.
Aliás, é importante lembrar que muitos produtos da moda recomendados por influencers nem sequer se enquadram como suplementos alimentares.
É o caso dos anabolizantes, utilizados para ganhar músculos de forma rápida e intensa, mas repletos de efeitos colaterais, como danos ao fígado e ao coração. Não à toa, a prescrição para fins estéticos acaba de ser proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
No caso dos suplementos, vale seguir um checklist básico: avaliar a necessidade de usar com um nutricionista ou médico; saber o que e quanto tomar; priorizar as marcas confiáveis e ter ciência de suas restrições.
“Às vezes, o produto pode ser mais uma questão de motivação. Mesmo se a pessoa se beneficia pouco, usar com responsabilidade pode torná-la mais ativa, e isso deve ser encorajado”, argumenta Duarte.
A regra é entender os limites do corpo e… dos próprios suplementos. “Só não pode cair em papo de vendedor e achar que vai virar super-homem”, diz o endocrinologista. Afinal, tanto o homem de aço como a Mulher Maravilha só existem no universo da ficção.
Os suplementos mais vendidos do mercado:
> O que é? Um dos suplementos mais populares, costuma ser feito do soro do leite, mas já existem opções para quem tem restrição ou é vegano. O whey fornece os tijolinhos que atuam na reparação dos músculos e conta com um bom volume de pesquisas a seu favor.
> Para que serve? A principal recomendação é para quem faz exercício com foco no desenvolvimento da força e da massa muscular. O produto também ajuda na recuperação pós-treino. E tem sido indicado a indivíduos mais velhos com perda de musculatura ligada à idade.
> Quais os riscos do mau uso? Em geral, ingerir mais proteínas do que o recomendado não costuma causar grandes problemas, pois a quantidade necessária para uma complicação tem de ser elevada. Ainda assim, se você come regularmente fontes como carne, ovo e leite, vale checar com um profissional se faz sentido tomar whey.
> O que é? É um carboidrato de rápida absorção pelo organismo, capaz de fornecer energia no desenrolar da atividade física. Ou seja, deve ser tomado durante o esforço físico.
> Para que serve? É recomendado durante a prática de esportes de longa duração, como uma prova de maratona ou triatlo. A maltodextrina é o principal componente encontrado nos géis nutricionais ingeridos pelos atletas durante as competições. Embora não seja indicada para ganho de massa, ela auxilia na recuperação dos músculos após práticas extenuantes.
> Quais os riscos do mau uso? Por se tratar de um carboidrato, sua função é fornecer ou recuperar energia. Se você não pratica atividades de longa duração ou exigência acima da média, o consumo excessivo pode levar a ganho de peso e ingestão desnecessária de açúcar e aditivos.
> O que são? Suplementos com alto teor de nutrientes, especialmente carboidratos, mas também com proteínas, gorduras, vitaminas e minerais.
> Para que servem? A promessa é auxiliar tanto no ganho de peso como no aumento da massa muscular. No entanto, especialistas questionam a necessidade desse tipo de produto combinado, já que, para atingir esses objetivos, seria preferível adotar uma alimentação hipercalórica e ingerir suplementos de acordo com as carências específicas de cada um.
> Quais os riscos do mau uso? O primeiro é perder o controle sobre o ganho de peso. Depois, hipercalóricos de boa qualidade, com fibras e carboidratos complexos, são bem mais caros. Isso faz as pessoas partirem para os mais baratos, de pior balanço nutricional, que são abarrotados de gordura e carboidratos simples.
> O que é? Substância produzida naturalmente pelo corpo e encontrada em alimentos como carne e leite, é provavelmente o suplemento mais estudado até o momento. Hoje é prescrita sobretudo a quem faz treinamentos de alta intensidade e que envolvem movimentos explosivos.
> Para que serve? Indicada para atividades que exigem que o músculo produza muita potência em um curto intervalo de tempo, como corridas de 100 metros ou competições de arremesso de peso. Novos estudos vêm demonstrando que ela também pode auxiliar na retenção de nutrientes nas células musculares e até no ganho de massa e na função cognitiva de idosos.
> Quais os riscos do mau uso? Apesar de ter bom perfil de segurança, só deve ser usada sob orientação, especialmente se houver histórico de problemas renais e hepáticos.
> O que é? Bastante utilizada pelo seu poder estimulante e pelo conhecido efeito termogênico, ela costuma ser obtida de chás, café e guaraná, além da versão anidra, com alto grau de pureza, em cápsulas ou pó.
> Para que serve? É capaz de aumentar a energia e a disposição física e mental, podendo melhorar o desempenho esportivo. A cafeína atua no sistema nervoso e tende a acentuar o foco e a reduzir o tempo de reação — mesmo que seja uma fração de segundo, o que pode contar pontos em competições.
> Quais os riscos do mau uso? Existem pessoas com maior sensibilidade à cafeína, e o excesso da substância está relacionado a taquicardia, agitação e picos de pressão alta. Tomar com frequência, especialmente a partir da tarde ou à noite, ainda tende a piorar a qualidade do sono.
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> O que são? São as substâncias que, ao interagir com o sistema nervoso, elevam a temperatura do organismo.
> Para que servem? Em tese, eles acelerariam os processos metabólicos, ajudando o corpo a queimar mais calorias durante o exercício. Os estudiosos alertam, porém, que poucos suplementos têm esse efeito comprovado, e mesmo aqueles que funcionam possuem resultados relativamente modestos e não costumam compensar os riscos dos efeitos colaterais.
> Quais os riscos do mau uso? O maior perigo é o descontrole do aquecimento corporal, a chamada hipertermia, que é potencialmente letal. Aumento da pressão e arritmias cardíacas são outros eventos adversos. Alguns termogênicos, como o dinitrofenol, foram proibidos devido à falta de segurança no uso.
> O que são? Falamos de alguns tipos de gorduras essenciais, nutrientes importantes para o bom equilíbrio do corpo. Fazem parte da família os ômegas 3 e 6, vindos de peixes, sementes e óleos vegetais.
> Para que servem? Eles buscam diminuir processos inflamatórios e balancear os níveis de colesterol no sangue, além de dar um apoio à imunidade e à síntese muscular. Fazem mais sentido quando o indivíduo não tem uma dieta bacana.
> Quais os riscos do mau uso? Como as doses recomendadas são baixas, dificilmente as cápsulas causarão problemas. Mas exageros podem sabotar o metabolismo. Os experts pedem atenção a produtos muito baratos — há risco de contaminação da matéria-prima, até por metais pesados.
> O que são? Ambas são proteínas alternativas ao whey. A caseína também é obtida a partir do leite, mas tem uma absorção mais lenta. Já a albumina vem do ovo e tem absorção mais rápida que a caseína.
> Para que servem? Como o whey, a ideia é auxiliar no aumento da massa muscular. Pela digestão mais lenta, a caseína é recomendada para quem pretende passar um período mais longo sem se alimentar. Já a albumina tem indicação semelhante à do produto à base do soro do leite, aparecendo como alternativa a intolerantes à lactose ou vegetarianos. Veganos encontram suplementos feitos de proteínas vegetais, caso da soja.
> Quais os riscos do mau uso? O racional é parecido com o do whey protein. Vale ponderar o investimento e, no caso da albumina, estar ciente do possível aumento de gases.
> O que são? São partículas que compõem as proteínas — e com funções diferentes pelo corpo. Alguns dos mais conhecidos são o BCAA, a beta- -alanina e a glutamina.
> Para que servem? A promessa é facilitar o ganho de massa muscular e a recuperação após o treino, sobretudo no contexto de práticas mais intensas. Mas o uso dos aminoácidos isolados é considerado controverso atualmente. Alguns estudos mostram que o whey ou proteínas isoladas seriam mais eficazes para os músculos.
> Quais os riscos do mau uso? De imediato, gastar dinheiro à toa mesmo. São raríssimos os casos de reações adversas com aminoácidos. Mas, como os benefícios comprovados são menores ou marginais na comparação com os suplementos proteicos, cabe avaliar se eles farão diferença na rotina de exercícios.
> O que são? Integram a categoria desde multivitamínicos até o ZMA, sigla para suplemento de zinco e magnésio. Buscam repor vitaminas e minerais.
> Para que servem? Como o exercício expõe o corpo a um estresse, os suplementos vitamínicos ajudariam, com sua ação antioxidante, a minimizar danos e melhorar a imunidade. No caso do ZMA, fala-se num ganho indireto na produção de testosterona. De qualquer forma, faltam estudos assinando embaixo.
> Quais os riscos do mau uso? Os especialistas reforçam que vitaminas e minerais devem ser obtidos via alimentação. Na falta de um e outro, aí o caminho é suplementar. Vitaminas solúveis em água como a C são expelidas pela urina se ingeridas em excesso. Mas as solúveis em gordura (A, D, E…) podem se acumular e ser tóxicas se houver abuso. O mesmo se aplica a minerais como o selênio.