Na sociedade corrida em que vivemos, começar um treino ou esporte novo demanda pesquisa e programação. O que fazer? Onde praticar? Em que horário? Com quem? E a frequência? Com tanta coisa em mente, muita gente acaba esquecendo o básico: que tênis usar?
Não é um detalhe trivial. Nossos pés sustentam o corpo o dia inteiro e são eles que recebem e amortecem a maioria dos impactos de uma atividade física.
“Usar um calçado inadequado pode levar a lesões por sobrecarga e aumentar o risco de problemas como torções”, alerta o médico Vicente Mazzaro Filho, membro da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé (ABTPé).
Sim, na agenda pré-exercício, uma tarefa que não pode ser escanteada é a escolha do tênis.
Cada tipo de treino e modalidade esportiva têm características biomecânicas próprias, de acordo com as cargas e os movimentos realizados.
E isso interfere diretamente no tipo de calçado, tanto para prevenir os perigos quanto para melhorar o desempenho na rua, na esteira, na quadra etc.
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Não é por menos que hoje o desenvolvimento dos tênis esportivos depende de muita tecnologia.
“Os alicerces do calçado estão no cabedal, ou seja, na sua fôrma, e na sola, que também determina o conforto, o amortecimento e o bom calce”, explica Fabio Priolo, designer de calçados que trabalha com grandes marcas esportivas há 20 anos.
“Chegar a um produto ideal para a performance, validado tecnicamente, demora e pede bastante pesquisa. Ajudei a desenvolver o tênis de crossfit da Everlast, e demoramos dois anos só para chegar à fôrma e à sola. Viajamos, conversamos com atletas, fizemos e refizemos testes, rascunhos, até chegar ao produto final”, conta o também fundador da Lab House Footwear.
Apesar de todo esse cuidado na criação do calçado, é preciso ficar claro que cada pé é único, e o essencial é que o tênis esteja adequado ao seu. Não existe melhor modelo ou marca para todo mundo — tanto é que Messi e Neymar usam chuteiras diferentes.
Por isso a personalização é um termo que ganhou força nessa indústria. “Vivemos num país tropical, o que nos estimulou a desenvolver um calçado com tecido que permite mais transpiração. E ele também tem uma fôrma maior porque estudos apontam que o pé do brasileiro é mais largo”, exemplifica Márcio Callege, diretor de marketing da Olympikus.
Até aspectos sociais importam. “Pensando que o brasileiro médio não tem grana para comprar vários pares, nossa meta não é vender algo que vai durar uma prova de corrida. Nosso desafio foi criar tênis duráveis e com alta performance”, conta Márcio, fazendo referência aos modelos especializados da linha Corre.
Confira o que deve ser levado em conta na hora de escolher seu calçado — e como a tecnologia na área vem evoluindo.
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Primeiros passos antes de comprar
- Modelo
Escolha um adequado à modalidade praticada — cuidado com alternativas. - Problema no pé
Questões anatômicas, como joanetes, precisam ser levadas em consideração. - Teste
Calce e sinta se o tênis está ok para o seu formato de pé e se não dói ao andar. - Conforto
Não espere “amaciar”. O calçado deve ser agradável desde a primeira pisada. - Compra
Tenha cautela se for online e você não conhecer marca e modelo. - Indicação
Atenção: seu pé é diferente do do amigo. Não o melhor modelo bom para todos, vá por você.
Corrida
A atividade mais democrática ganhou uma infinidade de tênis especiais. Para escolher, é importante avaliar algumas particularidades da rotina e do calçado, como a forma que você pisa.
O “drop”, nome dado à diferença de altura entre a ponta do pé e o calcanhar, é desenvolvido estrategicamente por cada marca.
Ele não deve ser nem muito baixo nem muito alto, ou você pode pronar ou supinar demais, sobrecarregando a região. Por isso, é bom apurar qual seu tipo de pisada e testar na loja.
Outra sugestão dos experts é escolher um modelo levemente maior, já que o pé tende a inchar durante a prática. Tênis de corrida podem ter pouco, médio ou muito amortecimento, e isso influencia no peso do calçado.
Não tem melhor nesse aspecto, é o que combina mais com a sua rotina de treino, mas pessoas acima do peso, por exemplo, tendem a se beneficiar mais daqueles exemplares com um bom amortecedor para minimizar o impacto nas articulações.
Para quem já é atleta (mesmo amador), novos modelos com placas de carbono no solado ajudam na propulsão e economizam energia durante a corrida. Mas é um artigo de luxo — e que costuma custar bem mais.
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Basquete e vôlei
Dois esportes jogados em quadra, que exigem saltos, movimentos laterais, grande estabilização do pé e ótima tração com o solo para evitar escorregões. Mas são bem diferentes.
O vôlei exige saltos verticais (no bloqueio) e oblíquos (pra frente, como nos cortes e ataques). Um bom tênis para a modalidade precisa ser leve, flexível, estável e ter um amortecimento legal, a fim de absorver o choque ao fazer cortes rápidos, aterrissagens ou paradas repentinas.
A Asics desenvolveu uma tecnologia de amortecimento em gel para isso, e outras marcas, como Adidas e Mizuno, também investem em novidades.
Já o basquete, além dos diferentes saltos, exige corrida pela quadra e tem mais contato físico entre os jogadores. Isso gera movimentações inesperadas, rotações de pé e um maior risco de torções.
Por isso, o tênis pode ter cano alto no calcanhar, o que ajuda a estabilizar o tornozelo. O amortecimento é focado na ponta dos pés para melhorar aterrissagens. A Nike é a empresa que mais investe em inovações para a modalidade.
Futebol
A essência da chuteira, independentemente se é para salão, campo ou society (grama sintética), é garantir uma excelente tração no solo.
Futebol é um jogo que requer contato do pé com a bola e movimentos bruscos, mudanças de direção e em curto período de tempo. Isso tudo ajudou a moldar tanto o solado quanto o cabedal da chuteira.
Geralmente ela é um calçado baixo, com pouco ou nenhum drop, e com a estrutura mais rígida, de couro. As solas diferem de acordo com o campo.
No futsal, são planas, e possuem apenas ranhuras para melhorar a aderência com a quadra. No society, já possui travas, mas são baixinhas e em grande quantidade. No futebol de campo, as chuteiras possuem de seis a dez travas, que podem ser cônicas ou em forma de lâmina.
A que tem mais travas oferece maior mobilidade, por isso deve ser a opção se você atuar no ataque ou meio de campo. Com menos travas, há mais estabilidade, condição ideal para goleiro, defensores ou mesmo para todo jogador em dia de campo molhado.
Lembrando que o conforto é o carro-chefe na hora de escolher.
A palmilha é controversa: alguns médicos acreditam que o uso indiscriminado pode desencadear mudanças na forma da pisada, alterando o alinhamento de outras articulações, como joelhos e quadris, e gerando dores e outras encrencas. Assim, não é indicado comprar uma palmilha por conta própria pensando em melhorar o desempenho no exercício. Elas só devem ser usadas após avaliação e indicação de especialistas — e geralmente fazem sentido quando há um problema de pisada ou no pé. Já a tornozeleira é bastante empregada quando se tem histórico de lesão. Mas um aviso: ao mesmo tempo que auxilia a evitar impactos e desgastes, ela pode enfraquecer a musculatura da região no médio ou longo prazo. De novo: o melhor é utilizar só após orientação médica.
Ciclismo
Ao contrário da prática por hobby, o esporte exige que o pé do atleta esteja preso ao pedal.
Isso facilita que as duas pernas se esforcem ao mesmo tempo: enquanto uma empurra o pedal para baixo, a outra o puxa para cima, resultando em maior controle da bike, melhor estabilidade em velocidades altas e uma pedalada mais alinhada, sem correr o risco de gerar dores no joelho ou na bacia.
Importante: observe a posição dos pés, nada de calcanhar muito alto ou pé na pontinha. O ideal é uma leve inclinação, com o calcanhar mais alto, porém sem exagero.
Antes de escolher a sapatilha, é preciso saber a modalidade: ciclismo de estrada, mountain bike, cyclocross, triatlo, cada um possui um calçado específico.
Quando for comprar, confira se o sistema de encaixe da sapatilha é o mesmo do seu pedal.
Os solados e cabedais mais rígidos geralmente fazem as sapatilhas não serem tão confortáveis, mas o ideal é escolher uma que se adapte melhor ao seu pé, não ficando nem muito grande nem muita justa.
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Academia e Crossfit
Acredite: o grande desafio no quesito tênis esportivo é para os adeptos da academia. Como a pessoa pega peso, corre, pedala, dança e até pratica uma luta, acaba não conseguindo um tênis ideal para tudo.
Uma solução é levar diferentes modelos para o local e trocar conforme for mudando de atividade, mas isso exige bastante dedicação, dinheiro e consciência dos problemas de um calçado errado.
Para tentar unir o útil ao agradável, os tênis de cross training despontam como boa opção. São os preferidos nos treinos HIIT e de crossfit, pois fornecem estabilidade, amortecimento e suporte em uma variedade de exercícios.
Tendem a ter uma entressola mais plana e menos acolchoada, o que fornece boa firmeza em atividades como levantamento de peso. As linhas Metcon, da Nike, e Nano, da Reebok, são as mais famosas nesse mercado, mas marcas como Everlast também trazem versões bacanas.
Especialistas em biomecânica ponderam: ainda não existe um calçado perfeito para múltiplas atividades. Então, fique atento e se cuide durante o treino.
As pessoas tendem a se preocupar mais com o tipo de tênis para a prática esportiva, mas os pares que calçamos durante a rotina de estudos e trabalho também pedem um olhar apurado — e repercutem até na hora de fazer exercícios. “Uma pessoa pode correr 5 quilômetros todos os dias com um tênis excelente, mas andar 10 mil passos com um sapato inadequado, o que causa um impacto bem maior que o do próprio treino”, ilustra o ortopedista Vicente Mazzaro Filho. “Usar o calçado certo só durante a atividade física não inibe o risco de lesões gerado por um calçado ruim no resto da rotina”, sintetiza. Para quem passa bastante tempo em pé, convém não abusar de sapatênis, saltos e sandálias rasteiras.