Alcoólicos Anônimos: como funciona método buscado por Heleninha em Vale Tudo
Irmandade está presente em todos os cantos do país, com cerca de 4 mil grupos e mais de 9 mil reuniões realizadas a cada semana
Com cerca de dois meses pela frente, a novela Vale Tudo, da Globo, começa a amarrar os desfechos de seus personagens centrais. Como Heleninha Roitman, interpretada por Paolla Oliveira, que passa por um ponto de virada ao buscar o apoio do Alcoólicos Anônimos (AA).
Na vida real, a irmandade está presente no Brasil há 78 anos, com cerca de 4 mil grupos espalhados pelo país e mais de 9 mil reuniões realizadas a cada semana. As atividades no enfrentamento do alcoolismo pelo grupo tiveram início há 90 anos, nos Estados Unidos.
“O lado positivo do AA é ajudar na criação de novos vínculos, especialmente por meio da figura do padrinho, que acaba servindo como uma referência e pode ajudar a pessoa a manter a abstinência”, afirma o psicólogo Maycon Torres, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que trabalhou por dez anos no Serviço de Acolhimento a Usuário de Álcool e Outras Drogas.
Pessoas que lidam com problemas com o álcool podem participar pela primeira vez de uma reunião de recuperação de maneira presencial ou online. Naturalmente, o início pode ser marcado por dúvidas, inseguranças e preocupações. Por isso, reunimos orientações úteis para quem sente necessidade de começar.
Os dias e horários dos encontros e os grupos mais próximos podem ser consultados online. Para ser membro só é necessário querer parar de beber, não há qualquer cobrança de taxa ou mensalidade.
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Mas sobre o que falar?
Essa é uma questão muito comum que tende a gerar bastante ansiedade. Em geral, os participantes abordam as consequências do uso abusivo das bebidas alcoólicas para si e para as pessoas próximas.
Outros membros podem compartilhar as medidas tomadas para deixar o álcool para trás, como esse passo foi importante, e como a vida se encontra no momento.
Enquanto uma pessoa fala, não há interrupções, conselhos ou julgamentos por parte de quem escuta. Apesar de relatos semelhantes, cada indivíduo teve sua vivência particular com o álcool, assim como uma experiência única rumo à recuperação.
Membros novos podem ser convidados a se apresentar, mas não é obrigatório se identificar. Pode ser útil e, se preferir, diga somente o primeiro nome. Quando se sentir à vontade, pode começar a contar sua história.
É anônimo mesmo?
Sim. Virtuais ou presenciais, as reuniões são coordenadas por membros do AA. Tudo o que é dito permanece na reunião, garantindo o anonimato como um princípio de privacidade para participantes novos e antigos.
A estratégia estabelece ainda um ambiente seguro, ao promover humildade e igualdade entre os presentes.
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Começo e fim
O começo dos encontros são marcados pela leitura do preâmbulo do AA, que descreve o propósito do grupo. Pode ser realizado um momento de silêncio e incluir a Oração da Serenidade.
Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária
para aceitar as coisas que não podemos modificar,
coragem para modificar aquelas que podemos,
e sabedoria para distinguir umas das outras.
Ao final das atividades, pode ser feito mais um período de silêncio ou de oração e ser lida a Declaração de Responsabilidade do AA.
É comum que haja a socialização entre as pessoas, como o oferecimento de ajuda ou compartilhamento de experiências e desafios na busca pela sobriedade.
Reuniões online
Para fazer parte de uma reunião virtual, é preciso consultar os horários e links de acesso no site. As plataformas disponíveis são Zoom, Google Meet, entre outras.
Para receber ajuda, basta enviar mensagem no chat avisando que se trata da primeira vez no AA. É importante destacar que não é obrigatório abrir a câmera, identificar-se ou falar, caso não se sinta à vontade.
Os 12 passos do AA
Para guiar os membros, o AA conta com sugestões distribuídas em 12 passos. Confira aqui.
As ideias são descritas com uma linguagem “espiritual”, e incluem dizeres onde os participantes reconhecem suas falhas, pedem ajuda e buscam reparar os danos provocados em suas relações.
O psicólogo da UFF explica que a dimensão de 12 passos traz o sentido de um processo gradual, abrindo espaço para o fortalecimento contínuo ao longo do tempo.
“De certa maneira, são 12 frases fortes que ajudam a pessoa a desenvolver uma autoconsciência sobre o problema em relação ao álcool. Isso faz com que ela perceba que tem uma dificuldade e precisa de apoio e amparo para poder enfrentar esse problema”, resume Torres.
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Consumo abusivo cresce entre as mulheres
A narrativa de Heleninha se reproduz na vida real, com impactos preocupantes em termos de saúde pública.
O consumo de abusivo de bebida alcoólica entre as mulheres cresce no Brasil. É o que revela um novo estudo realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem da UFMG, da ACT Promoção da Saúde e do Ministério da Saúde com recorte nas capitais do país.
O trabalho recém-publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia analisou a tendência ao longo do tempo, utilizando dados de mais de 800 mil entrevistas da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), entre os anos de 2006 e 2023.
O abuso é definido como o consumo de cinco ou mais doses de bebida para o homem ou quatro ou mais doses para a mulher em uma única ocasião, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias. Em outras palavras, são 60 gramas de álcool puro, o equivalente a cerca de 4 ou 5 cervejas de 350 ml ou quatro taças de 150 ml de um vinho de 10 de teor alcoólico.
Nesse estudo, o indicador entre os homens se manteve estável (em torno de 25%), porém mais do que dobrou entre as mulheres, passando de 7,7% para 15,2%. Os autores evidenciam que o fenômeno pode ter associação com reformulações no marketing do álcool e uso de redes sociais para impulsionar o consumo entre o público feminino.
O alcoolismo nas novelas
Em 1988 ou 2025, Heleninha não é a primeira personagem do universo das novelas a procurar ajuda devido ao alcoolismo. E, provavelmente, não será a última.
Ao longo da história da teledramaturgia brasileira, fomos apresentados a uma diversidade de figuras que enfrentaram entraves com a bebida, a partir de diferentes perspectivas.
O boa-praça Orestes (Paulo José) penou ao longo dos quase 200 capítulos de “Por Amor” (1997). A dependência era um dos fatores que o afastava da filha Maria Eduarda (Gabriela Duarte), com Helena (Regina Duarte). No final da trama, é levado ao grupo de recuperação por Sandrinha, a filha criança (Cecília Dassi), do segundo casamento.
“O Clone” (2001) foi marcada pela dependência química de Mel, vivida por Débora Falabella. Contudo, paralelamente, conhecemos a história do advogado Lobato (Osmar Prado), alcoólatra e usuário de cocaína na batalha para deixar o vício. Ao longo dos capítulos, a novela apresentou depoimentos reais de pessoas que sofreram com a dependência química.
Em “Mulheres Apaixonadas” (2003), a professora Santana (Vera Holtz) escondeu destilados, foi flagrada bebendo dentro da escola e, em uma das fases mais difíceis, tomou perfume para tentar aplacar a vontade do álcool.
A separação foi o gatilho para que Bira (Eduardo Lago) mergulhasse na bebida em “Páginas da Vida” (2006). Com o apoio da filha, ele tenta se recuperar frequentando reuniões do AA.
O assunto não ficou de fora de “Viver a Vida” (2009). Bárbara Paz, na pele da modelo Renata, mostrou não somente as dificuldades do alcoolismo, mas também os perigos da anorexia, transtorno discutido no mundo da moda, especialmente nos anos 2000.







