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Brasil, um possível celeiro de novas variantes do coronavírus

Grande número de casos, medidas de restrição não respeitadas, falta de sequenciamento do vírus e vacinação lenta fazem do país um caldeirão de mutações

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 15 abr 2021, 12h24 - Publicado em 22 mar 2021, 16h21
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  • “Em todo lugar podem surgir variantes do coronavírus, mas, quando não se tem condições propícias para sua proliferação, elas desaparecem. Infelizmente, esse não é o caso do Brasil”, afirma o virologista José Eduardo Levi. Pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, ele explica que áreas com grande número de casos, desrespeito às medidas que evitam a disseminação da Covid-19, falta de acompanhamento das mutações e vacinação lenta oferecem o terreno perfeito para que linhagens novas do Sars-CoV-2 (potencialmente mais transmissíveis ou letais) se alastrem.

    Mundialmente, já foram detectadas quase mil variantes do coronavírus — uma média de 60 a 100 circulam no Brasil. No último dia 12 de março, mais uma versão originada aqui foi descoberta: a provisoriamente nomeada VOI N9. Os cientistas acreditam que ela apareceu em agosto de 2020 e se espalhou pelas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e Norte. Atenção: essa não a P1, que apareceu em Manaus e tem tomado conta do noticiário.

    Em resumo, as novas cepas são divididas a partir do que sabemos sobre suas mutações, o potencial de transmissão, a capacidade de escapar dos efeitos de vacinas e a letalidade.

    No Brasil, por exemplo, há pelo menos três variantes que surgiram aqui e chamam a atenção: a P1 (de Manaus), a P2 (do Rio de Janeiro) e agora a N9. A primeira já é internacionalmente classificada como uma “variante de preocupação“ (Variant of Concern ou VOC, na sigla em inglês). Isso porque as pesquisas indicam que é altamente transmissível e poderia deflagrar casos mais graves.

    Além dela, há outras duas VOCs registradas no mundo: a do Reino Unido (B.1.1.7) e a da África do Sul (B.1.351). E pesquisadores cogitam atualmente inserir mais variações originárias dos Estados Unidos (B.1.427 e B.1.429) nesse grupo do barulho.

    Aquelas outras duas linhagens nascidas no nosso território ainda são classificadas como “variantes de interesse“ (Variant of Interest, VOI). Ou seja, elas apresentam mutações potencialmente perigosas, porém ainda faltam estudos aprofundados que confirmem isso.

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    Há dezenas dessas pelo mundo, e receber essa classificação já é um alerta. “A N9, do Brasil, tem a mesma mutação observada em outras variantes com transmissibilidade alta“, exemplifica o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica.

    As demais variantes que circulam pelo mundo exibem diferenças simples em relação ao Sars-CoV-2 original, e pelo visto não mudam nada em termos da severidade da doença.

    Por que a preocupação especial com o Brasil?

    A primeira razão que faz do nosso país um epicentro global de novas cepas é o gigantesco número de novos casos diários, o que denota um descontrole da pandemia. Quanto mais o vírus circula e se replica dentro de seres humanos, maior a chance de acumular mutações e gerar novas versões.

    “As principais variantes surgiram no Reino Unido, país com maior incidência de casos na Europa; na África do Sul, que possui a maior incidência na África e no Amazonas, que sofreu um colapso”, comenta Levi, que também é Coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento da Dasa.

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    Enquanto diversos países adotaram medidas restritivas para frear novas ondas de infecção, o Brasil segue sofrendo para aplicar estratégias básicas. “Nossa população não aderiu de forma adequada às máscaras e ao distanciamento social. E isso aconteceu por falta de clareza do governo federal e pela confusão de regras heterogêneas impostas pelos estados“, afirma Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).

    Outra razão para a situação alarmante em que o Brasil se encontra é a lenta vacinação dentro de um cenário com grande contaminação. Primeiro porque isso dá mais tempo para o vírus se propagar e acumular mutações. Depois que, se as pessoas ficam sem a segunda dose por algum motivo, eventuais cepas mais resistentes conseguiriam escapar do efeito da vacina e continuar se alastrando.

    Aliás, a ciência ainda não sabe ao certo qual a capacidade de as diferentes vacinas disponíveis bloquearem a transmissão do coronavírus de uma pessoa para outra — o que já está claro são as taxas de eficácia na prevenção do surgimento de sintomas da Covid-19. Isso significa que, em um cenário onde muita gente não recebeu suas doses, as poucas pessoas imunizadas devem seguir adotando o distanciamento social, o uso de máscaras e por aí vai. Conforme mais gente receber as injeções e os números de novos casos caírem, é possível pensar em flexibilizações.

    Como se não bastasse, o Brasil possui outro agravante: a baixa taxa de sequenciamento genômico das variantes. Em outras palavras, poucos casos confirmados no país passam por uma avaliação molecular minuciosa, que identifica qual cepa do Sars-CoV-2 invadiu aquele organismo.

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    Uma vigilância intensa amenizaria o impacto ou até conteria certas mutações, ao isolar rapidamente os primeiros casos que surgissem. “Quem contou para o Brasil que existia uma variante no Amazonas foi o Japão”, destaca Levi. Isso após viajantes com sintomas da Covid-19 desembarcarem por lá. “Naquela altura, 90% dos casos do Amazonas já eram da P1. Ela estava na nossa cara e não sabíamos, porque não havia vigilância genômica”, arremata o expert.

    Ainda segundo ele, o Brasil sequenciou apenas 4 mil genomas em um universo de 12 milhões de infectados, o que representa 0,033% dos casos. No Reino Unido, essa taxa é de aproximadamente 5%.

    As consequências

    Um receio da comunidade científica é o de que, sem um melhor controle da pandemia, surjam mutações que tornem o vírus mais resistente às vacinas disponíveis.

    Fora isso, casos de reinfecção podem ficar mais comuns conforme pipocam mutações que fazem o coronavírus escapar dos anticorpos criados pelo contato prévio com outras cepas. “A variante P1 apareceu e se tornou um problema no Amazonas, em uma população com alta taxa de indivíduos previamente infectados pelo Sars-CoV-2“, afirma Spilki, que também é professor da Universidade Feevale. Lembre-se de que, em abril de 2020, Manaus foi atingida em cheio por um surto de Covid-19, o que não impediu um novo colapso em 2021.

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    E, claro, há o medo de que novas variantes sejam mais transmissíveis ou agressivas.

    Para combater tudo isso, não há segredo: é necessário acelerar a vacinação, incorporar hábitos de higiene adequados, colocar máscaras… “Precisamos fazer um acordo nacional, com o devido suporte financeiro a famílias e empresas, para adotar medidas sérias de contenção da atual onda”, sugere Spilki. “No estágio em que estamos, cada dia que segurarmos a movimentação da população e cada pessoa a mais que vacinarmos valerá semanas de trabalho e vidas salvas em um futuro próximo”, finaliza.

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