No início da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), a orientação oficial do Ministério da Saúde era a de que a população só buscasse ajuda médica quando os sintomas graves aparecessem. Mas, com o passar do tempo e a mudança na equipe, essa recomendação mudou. O governo lançou a campanha #NãoEspere para incentivar a procura pelo atendimento assim que os primeiros sinais da Covid-19 derem as caras.
O Ministério da Saúde tem defendido o tratamento precoce com remédios como hidroxicloroquina e azitromicina, mesmo sem evidências científicas de eficácia. Como mostraremos mais pra frente, os estudos mais confiáveis sobre o assunto mostram que esse combo não funciona mesmo se administrado assim que surgiram sintomas suspeitos.
Ainda assim, na visão do pneumologista Gustavo Prado, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, a ideia de se consultar com um profissional logo no surgimento dos primeiros sintomas tem duas vantagens. Em primeiro lugar, auxiliaria a mapear com mais precisão e velocidade a situação da pandemia em cada região do país.
“O outro papel é o de facilitar o acesso às orientações sobre o que fazer após o diagnóstico”, completa Prado.
Tem outro ponto importante: o Sars-CoV-2 pode provocar em alguns pacientes a chamada hipóxia silenciosa. A hipóxia nada mais é do que a baixa oxigenação do sangue — em geral, o quadro é acompanhado de falta de ar. Só que, no caso da Covid-19, uma parcela considerável das pessoas apresenta hipóxia sem manifestar sintomas claros até o quadro ter piorado bastante.
“Se esperarmos a ‘falta de ar’, a pessoa corre o risco de buscar ajuda só quando estiver em uma condição mais grave”, alerta a infectologista Melissa Barreto Falcão, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Quando é o momento de procurar ajuda
De acordo com Melissa, como ainda existe grande circulação viral no Brasil, todo quadro gripal (tosse, febre, dor de garganta) precisa ser investigado para saber se é coronavírus. “Principalmente se houver perda de olfato ou paladar”, acrescenta.
No entanto, a infectologista e a SBI recomendam que o acolhimento dessas pessoas com sintomas leves — mesmo com diagnóstico confirmado de Covid-19 — seja feito primeiro por telemedicina, ao contrário do comunicado feito no site do Ministério da Saúde.
Se não houver hipóxia silenciosa, agravamento dos sintomas ou outra condição que demande mais atenção, a ida ao hospital só aumentará o risco de contágio. Até porque não há tratamento medicamentoso que seja efetivo contra o vírus para casos leves. Ou seja, o apoio profissional à distância é o mais recomendado pela ciência nessas situações.
Mas como descobrir em casa se eu estou ou não com a tal hipóxia silenciosa? Uma opção é comprar um oxímetro — aquele aparelhinho encontrado em farmácias que é colocado no dedo para medir a saturação de oxigênio no sangue. Se ele estiver marcando menos de 94%, é hora de ir ao hospital para, entre outras coisas, receber oxigênio por meio de equipamentos.
Atenção: o oxímetro deve ser usado por quem apresenta sintomas, de acordo com orientação de um médico. E ele não dispensa a necessidade de exames para confirmar o diagnóstico da Covid-19.
“Mas a gente não deve ter a insensibilidade de transferir toda a responsabilidade aos pacientes. Há muita gente sem acesso a esse tipo de dispositivo eletrônico”, pondera Prado. “Em algumas regiões, os agentes de saúde ou médicos e enfermeiros vinculados ao programa de saúde da família fazem visitas domiciliares. Também temos lugares com projetos de telemedicina ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Isso varia bastante”, relata.
Se não houver esse tipo de infraestrutura na sua região, a ida a um posto de saúde torna-se uma necessidade.
E sempre que os sintomas piorarem, claro que a recomendação é ir ao hospital — como sempre foi preconizado. “Casos com febre persistente, dor torácica, falta de ar em repouso ou aos esforços, desmaio, baixa da pressão ou piora da tosse exigem um atendimento presencial”, sugere a expert.
Quando os primeiros sintomas aparecem, já dá para tratar?
Como dissemos, o Ministério da Saúde preconiza o tratamento precoce com hidroxicloroquina (ou cloroquina) e azitromicina para impedir o agravamento da Covid-19. Apesar de os médicos não serem obrigados a aderir a esse protocolo, há relatos de pressão em certos hospitais para aderir a ele.
E é bom salientar que essas drogas não têm evidências de que auxiliam no combate ao Sars-Cov-2. Pelo contrário: uma das pesquisas mais confiáveis sobre o uso precoce dessa estratégia, publicada no periódico científico The New England Journal of Medicine, indica que elas não apresentam benefícios, mesmo quando aplicadas em indivíduos assintomáticos, de maneira preventiva.
“Nenhum medicamento administrado na fase inicial da doença se mostrou comprovadamente eficaz para melhorar a evolução clínica”, reforça Melissa.
Já que não há terapia para os casos leves, como proceder quando os primeiros indícios surgirem? “O melhor a fazer é aperfeiçoar cuidados de higiene, o distanciamento social, o uso de máscara e o isolamento domiciliar por 14 dias”, informa Prado.
Junto dessas medidas, o doutor pode receitar antitérmicos e analgésicos para cuidar dos sintomas, como febre e dor no corpo. Lembrando que esses remédios só devem ser consumidos sob recomendação. “Do contrário, é possível que os sinais sejam ‘mascarados’, fazendo o paciente perder tempo em caso de agravamento”, avisa Melissa.
Por fim, é importante manter a vigilância para o caso de a infecção evoluir a alguma forma mais severa que demande a ida presencial a um serviço de saúde. Nessas situações, os profissionais podem recorrer à ventilação mecânica e mesmo a certos corticoides e anticoagulantes, que comprovadamente reduzem a mortalidade.