As vacinas contra o coronavírus são alvos de fake news há muito tempo, mesmo antes de sua aprovação. Agora, estão circulando postagens pelas redes sociais afirmando que os imunizantes causariam câncer de mama, infertilidade e até aborto. Acontece que nada disso é verdade.
“Não existe associação dos imunizantes com nenhuma dessas coisas. Apesar de serem novos, eles são produzidos com muita segurança”, afirma o ginecologista Agnaldo Lopes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Antes de ir mais a fundo nessas afirmações, é importante pontuar que as vacinas de fato podem ocasionar alguns efeitos colaterais, mas nenhum grave como os citados anteriormente.
Os principais são dor de cabeça e no local de aplicação, além de moleza e febre baixa – e apenas nos primeiros dias após a picada. Esses sintomas foram relatados nos estudos anteriores à aprovação e seguem em análise pelos laboratórios fabricantes.
“Há um grande volume de evidências indicando que as vacinas que temos à disposição são seguras. Elas passam por tantos processos de avaliação que dá para usar sem se preocupar”, pontua a jornalista Dayane Machado, doutoranda no Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, e pesquisadora sobre o movimento anti-vacina.
Veja SAÚDE investigou a origem dessas fake news e o que a ciência diz sobre elas:
A vacina causa câncer de mama?
A origem desse boato está relacionada à distorção de uma informação real. No início de 2021, o hospital Intermountain Healthcare Center, nos Estados Unidos, publicou um vídeo no qual o radiologista Brett Parkinson recomendava que as mulheres realizassem a mamografia antes de tomar o imunizante da Covid-19. É que, em um estudo, ele encontrou casos de falso-positivo para tumor de mama em mulheres protegidas contra o coronavírus.
E isso realmente pode acontecer. De acordo com a Sociedade da Imagem de Mama, nos Estados Unidos, um dos efeitos dessas vacinas é o inchaço dos linfonodos próximos ao local da aplicação, como nas axilas.
Essa reação dura poucos dias, mas, caso uma mulher faça mamografia nesse período, o resultado provavelmente apontará uma alteração que levanta suspeita de câncer de mama. Só que não passa de um falso-positivo.
Para evitar esse contratempo, a entidade americana faz justamente a mesma recomendação de Brett Parkinson. Outra possibilidade é que o exame seja marcado depois de quatro semanas após a segunda dose.
A partir dessa indicação, grupos anti-vacina começaram a espalhar pela internet que a injeção contra Covid-19 é capaz de estimular o desenvolvimento desse tumor, deturpando a mensagem original.
Para reforçar que isso não passa de uma mentira, checamos o site PubMed, que agrega pesquisas publicadas no mundo todo.
Todos os resultados da busca estão relacionados apenas aos cuidados que portadores de câncer precisam ter em relação à Covid-19 e a importância da vacina para essa população. Nenhum trabalho fala do risco de desenvolver a doença por causa do imunizante.
A vacina provoca infertilidade?
Essa teoria surgiu por causa de um epidemiologista alemão chamado Wolfgang Wodarg. Em dezembro de 2020, ele entrou em contato com a Agência Europeia de Medicamentos para pedir que o estudo com a vacina da Pfizer fosse paralisado, alegando que ela causaria infertilidade em mulheres.
Wodarg acreditava que uma das proteínas responsáveis pelo desenvolvimento da placenta, chamada de Syncytin-1, seria bastante similar à do Sars-CoV-2 – a tal proteína Spike.
Seguindo essa linha de raciocínio, se o imunizante induzisse o sistema imunológico a produzir anticorpos contra o coronavírus como resposta à presença dessa proteína, consequentemente ele faria o mesmo com a Syncytin-1. Resultado: o corpo rejeitaria a placenta, impedindo que as mulheres engravidassem. Só que não faltam motivos para desacreditar dessa história.
Em entrevista concedida ao portal americano WebMD, a infectologista Jill Foster, professora na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, explicou que as proteínas Spike e Syncytin-1 compartilham pequenos trechos do mesmo código genético, mas não o suficiente para torná-las compatíveis. Em resumo, a vacina não colocaria a placenta em risco.
Além disso, só de saber que quem está por trás disso é Wolfgang Wodarg já dá para ficar com o pé atrás. Em 2009, quando ele era presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, chegou a acusar a Organização Mundial da Saúde (OMS) de exagerar sobre os perigos da gripe H1N1.
Segundo Wodarg, o surto da doença não se tratava de uma pandemia, sendo apenas uma estratégia para que grandes grupos farmacêuticos pudessem ganhar dinheiro tentando criar uma vacina. Parece bastante similar com o que ouvimos ao longo da pandemia de Covid-19, não?
Por fim, ao consultar mais uma vez o site Pubmed, não se encontra nenhum estudo associando o imunizante ao risco de infertilidade.
A vacina induz abortos?
A última fake news surgiu a partir de um texto publicado no site The Daily Exposed e foi desmentida por diversas agências de checagem no exterior. O artigo distorceu dados sobre eventos adversos coletados pela Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido.
De acordo com o autor, após tomar a injeção contra a Covid-19, o número de mulheres que sofreu aborto espontâneo no país aumentou 366% em seis semanas.
Ele afirma que, entre as grávidas que se vacinaram de dezembro de 2020 a janeiro de 2021, seis perderam o bebê. Do fim de janeiro até o começo de março, mais 22 mulheres imunizadas teriam sofrido aborto. Isso dá um total de 28 gestantes, o que representaria um número mais de três vezes maior que o do início.
Vamos por partes. Antes de mais nada, independentemente de os dados estarem corretos, não tem como afirmar que a vacina causou a interrupção na gravidez. Todos os laboratórios e as agências de saúde estão acompanhando os efeitos adversos dos imunizantes ao redor do planeta e, até o momento, não se provou perda de feto causada pelas doses.
Em segundo lugar, a porcentagem de 366% isolada não tem significado nenhum. O artigo não traz o número de pessoas que foram vacinadas nesse período nem a quantidade de abortos que já acontecia no Reino Unido. Portanto, não há uma referência para comparação que indique que esse número é realmente expressivo.
Além disso, esse é mais um caso para ficar com a pulga atrás da orelha ao observar a fonte da informação. O site onde esse texto foi publicado está cheio de outras reportagens alarmistas e enganosas.
Ao consultar o Pubmed, encontramos um único estudo, publicado no respeitado periódico The New England Journal of Medicine, sobre o tema. Os cientistas avaliaram a segurança das vacinas genéticas baseadas em RNA quando aplicadas em grávidas.
Dentre as 35 691 participantes, apenas 115 perderam o bebê. De acordo com os pesquisadores, quando comparamos com o número de abortos espontâneos que acontecem na vida real, a proporção é a mesma.
Como se proteger das fake news
Essa não é a primeira vez que a população feminina se vê no centro de mentiras sobre as vacinas. Um artigo publicado no periódico Nature Reviews Immunology relata que, em 2003, a preocupação com a questão da infertilidade resultou em um boicote à imunização contra a poliomielite no norte da Nigéria, por exemplo.
“Vários boatos sobre imunizantes têm um longo histórico. Entre os mais populares estão esses que citam doenças ou eventos adversos supergraves, capazes de causar até morte”, relata Dayane.
“Essas desinformações sempre são recicladas. Quando acontece algo diferente, os grupos anti-vacina se organizam e tentam repaginá-las, dando uma nova cara para a mentira”, complementa.
A pesquisadora conta que, devido à incerteza que existia no início da pandemia sobre o efeito da Covid-19 em gestantes, pessoas má intencionadas se aproveitam para inserir boatos dentro das discussões. O problema é que uma porção de gente acaba compartilhando esse tipo de coisa na tentativa de alertar e proteger os amigas e familiares.
Por isso, ao se deparar com esse tipo de mensagem ou postagem, faça alguns exercícios básicos: cheque se a informação tem fonte e se essa é confiável, suspeite de dados muito alarmantes e lembre-se de que o fato de algo ter acontecido com uma pessoa não significa que aquilo é a regra.
“E não deixe de se vacinar. É a estratégia que temos hoje para combater a pandemia”, finaliza Lopes.