“Use camisinha!” Você certamente lembra de alguma campanha de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) com esse slogan.
Só que, apesar de onipresente, ele não anda sendo colocado em prática. Na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) mais recente, realizada em 2019, 59% dos entrevistados responderam não usar preservativo nenhuma vez nas relações sexuais.
O mesmo levantamento mostrou que apenas 22,8% dos participantes afirmaram adotar o item em todos os encontros, enquanto 17,1% disseram que o fazem às vezes.
O médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o fenômeno está relacionado a diversas causas, incluindo a falta de informação e questões individuais que envolvem libido e prazer.
“Isso não quer dizer que o indivíduo seja ruim ou não queira se proteger. Para alguns, ele diminui o desejo sexual, por exemplo”, diz Furtado.
O preservativo ainda é um dos principais métodos para evitar ISTs. Porém, hoje ele ganhou companhia de outras medidas. É nesse contexto que surge a chamada “prevenção combinada”.
O conceito busca atender cada indivíduo de forma direcionada e com ferramentas adequadas às suas necessidades, contextos e hábitos, considerando que cada pessoa vivencia a experiência sexual à sua maneira. Neste raciocínio, o melhor método é aquele que o indivíduo consegue adotar.
O objetivo final é simples: favorecer o cuidado e a atenção sobre a própria saúde sexual, reduzindo assim o contágio e a transmissão de micro-organismos que podem causar agravos.
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Antigas DSTs
Em 2016, as “doenças sexualmente transmissíveis”, da sigla DSTs, passaram por uma mudança de nomenclatura pelo Ministério da Saúde.
A alteração considera que o termo “doença” implica em sintomas visíveis no organismo, enquanto a palavra “infecção” é mais abrangente, já que inclui períodos assintomáticos, comuns em quadros de HIV, sífilis e hepatites, por exemplo.
Além da camisinha
No cardápio da prevenção combinada, estão os preservativos masculino e feminino (que seguem fortemente eficazes!), medicamentos para evitar o contágio pelo HIV e orientações para reduzir a transmissão em outros cenários, como da mãe para o bebê durante a gestação e o parto.
A lista de estratégias também inclui a testagem regular, diagnóstico e tratamento oportuno das infecções, imunização contra o HPV e a hepatite B, e a adesão aos programas de redução de danos para usuários de álcool e drogas.
Vamos conhecer melhor cada uma delas.
PrEP, uma aliada contra o HIV
É possível evitar o contágio com o HIV com duas barreiras: física e farmacológica. A primeira inclui o preservativo comum, a segunda se vale de medicamentos específicos.
A profilaxia pré-exposição, mais conhecida pela sigla PrEP, consiste no uso de fármacos orais ou injetáveis que bloqueiam as vias utilizadas pelo vírus para infectar o organismo.
A forma mais comum, de ingestão oral, inclui dois remédios, tenofovir e entricitabina, oferecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2018.
Primeiro, a terapia foi disponibilizada para populações chave, que apresentavam risco mais elevado para a infecção.
Agora, a PrEP é indicada para qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade ao contágio pelo HIV. É o caso de profissionais do sexo, pessoas que frequentemente deixam de usar camisinha e outros grupos.
“Ou, por exemplo, indivíduos com um histórico de muitas ISTs, e qualquer outra situação de risco potencial e planejado”, afirma a médica ginecologista Paolinne Lima Silva, do Hospital Sírio-Libanês em Brasília.
Outro contexto de utilização envolve casais sorodiferentes, em que uma pessoa vive com HIV e a outra não. Os requisitos mínimos são: ter idade igual ou superior a 15 anos e peso corporal acima de 35 kg.
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Os medicamentos podem ser tomados em duas modalidades, diariamente ou sob demanda, de acordo com o perfil de cada pessoa.
Na primeira, os comprimidos são ingeridos de maneira contínua. Na forma personalizada, a medicação é utilizada apenas quando houver uma possível exposição de risco ao contágio.
Neste formato, dois comprimidos devem ser tomados de 2 a 24 horas antes da relação sexual, um comprimido 24 horas após a dose inicial, e um último 24 horas depois da segunda dose.
A PrEP também pode ser realizada a partir de um medicamento injetável, chamado cabotegravir, aprovado para uso no Brasil em junho pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa).
De longa duração, com uma aplicação a cada dois meses, o fármaco se mostrou altamente eficaz na prevenção da infecção pelo HIV.
Para que o medicamento seja disponibilizado no mercado é necessária a aprovação do preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
Já para a sua disponibilização no SUS, é necessária ainda a avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), vinculada ao Ministério da Saúde. Consultado, o ministério informou em nota que até o momento, não há registro de pedido de avaliação para incorporação da PrEP injetável na Conitec.
No primeiro semestre deste ano, 88,6 mil pessoas usaram a PrEP que já está no sistema público, um aumento de 20,6% em comparação com o mesmo período de 2022. Em agosto, o Ministério da Saúde anunciou que prevê ampliar a prescrição em até 300% até 2027.
Recurso de urgência: como funciona a PEP
Uma segunda estratégia medicamentosa para a prevenção do HIV é a profilaxia pós-exposição (PEP).
Diferentemente da PrEP, que envolve certo planejamento, trata-se de um recurso de emergência para quem pode ter sido exposto ao vírus. É uma medida semelhante à pílula do dia seguinte, só que voltada ao vírus.
Nesse contexto, entram situações como relações desprotegidas, rompimento da camisinha, violência sexual, além de acidentes de trabalho sofridos por profissionais de saúde.
O infectologista do Hospital das Clínicas destaca que a medicação deve ser iniciada o mais rápido possível, de preferência nas primeiras duas horas após a exposição e, no máximo, em até 72 horas.
Assim como a PrEP, também são usados antirretrovirais disponibilizados pelo SUS. Só que, nesse caso, os comprimidos são diferentes, incluindo uma das linhas de tratamento comum do HIV: a combinação dos antirretrovirais tenofovir + lamivudina e dolutegravir.
A duração da terapia é de 28 dias, com acompanhamento de uma equipe de saúde.
Lubrificante
Os lubrificantes íntimos talvez estejam entre as medidas menos conhecidas no que diz respeito à prevenção de ISTs. No entanto, a recomendação é baseada em evidências científicas, como explica o infectologista Álvaro Furtado.
“A atividade sexual geralmente leva ao atrito, o que pode provocar lesões na região genital e anal. Essas fissuras, por vezes microscópicas, favorecem a entrada no organismo de agentes causadores de doenças, como vírus e bactérias. Quando você lubrifica uma mucosa, diminui o trauma e, por consequência, a possibilidade de dano de alguns patógenos”, diz o médico.
No país, os itens são distribuídos gratuitamente em unidades do SUS. Lembrando que ele são um complemento, não substituem o preservativo e outras medidas.
Testes de ISTs: de quanto em quanto tempo?
A testagem periódica de ISTs também é considerada uma estratégia de saúde pública. O SUS oferece exames para diagnóstico de HIV, sífilis e das hepatites B e C.
Para pessoas assintomáticas, o intervalo entre um exame e outro depende de fatores relacionados à atividade sexual, como a exposição ao risco a partir de sexo desprotegido. Nesse sentido, a periodicidade pode variar de três meses a uma vez ao ano.
Além disso, observar sinais suspeitos e buscar atendimento médico permite o diagnóstico e tratamento precoce, evitando o risco de complicações e interrompendo a cadeia de transmissão.
Quando presentes, os sintomas mais comuns de ISTs aparecem principalmente nas regiões genital e anal. Além disso, podem surgir indícios em outras partes do corpo, como palma da mão, olhos e língua.
As manifestações incluem feridas, corrimentos e verrugas, geralmente ligados a herpes genital, sífilis, gonorreia, clamídia, tricomoníase e HPV (papilomavírus humano).
No entanto, infecções causadas pelo HIV, pelo HTLV e pelos vírus das hepatites B e C podem ser silenciosas, o que destaca a importância da testagem regular.
Imunização: palavra-chave contra HPV e hepatite B
Existem vacinas que previnem algumas das ISTs, como os imunizantes contra HPV e hepatite B.
O HPV, que na verdade é um grande grupo que reúne mais de 200 tipos de vírus, pode infectar a pele, tecidos da boca, do pênis e da vagina, além do ânus. Alguns deles podem levar ao desenvolvimento de câncer nesses locais anos depois da infecção.
No Brasil, o Ministério da Saúde orienta que crianças e adolescentes de 9 a 14 anos recebam o esquema vacinal de duas doses. Mulheres e homens que vivem com HIV/Aids, transplantados de órgãos, de medula óssea ou pacientes com câncer na faixa etária de 9 a 45 anos, tomam o esquema de três doses.
A transmissão acontece por meio de relações sexuais, por meio vaginal, oral e anal. Além disso, práticas de masturbação mútua também permitem o contágio, sem a necessidade de penetração desprotegida.
Já a hepatite B pode levar a problemas no fígado, como cirrose e câncer (saiba mais aqui).
A vacina é indicada para todas as pessoas, independentemente da idade. Ela faz parte, inclusive, da rotina de vacinação das crianças, devendo ser aplicada, de preferência, nas primeiras 12 a 24 horas após o nascimento, de acordo com a SBIm.
O imunizante é disponibilizado de forma gratuita no SUS, em unidades básicas de saúde.