A pneumonia mata mais de 2,7 milhões de pessoas todos os anos no mundo. Em mais de metade dos casos, uma bactéria chamada pneumococo é responsável pela doença. Para saber mais sobre o assunto, fizemos uma entrevista exclusiva com o pediatra Ron Dagan, professor da Universidade Ben Gurion, de Israel. Considerado um dos mais importantes especialistas no tema, ele esteve no Brasil para uma série de palestras. Confira abaixo a conversa:
Qual a relevância da pneumonia pneumocócica no mundo de hoje?
De maneira geral, a pneumonia afeta pessoas de todas as idades, mas, especificamente em crianças e idosos, está entre as primeiras causas de morte. É importante que as pessoas saibam dela justamente por conta de sua frequência e mortalidade.
Ora, estamos falando de milhões mortes todos os anos! A pneumonia pneumocócica é um tipo da doença. O causador é o pneumococo, uma família de bactérias. Ele não está por trás de todos os casos, mas é o mais importante entre eles.
Falando sobre isso, qual o papel do pneumococo no cenário total das pneumonias?
Nós ainda não sabemos exatamente. Porém, se olharmos entre os micro-organismos que causam a maioria das pneumonias sérias e fatais, o pneumococo provavelmente será o número um da lista. Trata-se de uma família inteira de bactérias, com mais de 95 membros, que nós chamamos de sorotipos. A boa notícia é que temos vacinas disponíveis, que protegem contra alguns desses tais sorotipos.
Voltando à sua pergunta, o impacto do pneumococo vai depender muito do diagnóstico, do país, da idade e da condição do paciente. Há uma série de questões que precisam ser consideradas. Mas certamente o papel dele é decisivo.
Como o senhor comentou, a pneumonia pneumocócica costuma ser mais séria entre crianças e idosos. Além da idade, quais fatores interferem na gravidade da doença?
Existem dois pontos nesse contexto: nosso próprio organismo e a condição que nos cerca. Muitas pneumonias ocorrem no inverno, quando temos vários vírus circulando pelo ambiente, como o influenza, causador da gripe, e o vírus sincicial respiratório, que provoca o resfriado.
Quem tem contato com eles e fica doente, corre um risco maior de sofrer uma infecção secundária pelas bactérias. Uma grande propulsora das pneumonias é o que chamamos de coinfecção, um trabalho conjunto entre os vírus e as bactérias. Repare, esse fator não está relacionado a quem você é, mas ao clima do lugar onde você vive.
Outro ponto a ser considerado são os pacientes de risco. É o caso de quem fuma, hábito que danifica o trato respiratório, ou daqueles que são obesos e têm diabetes. Todas as doenças crônicas elevam o risco de pneumonia.
Por fim, temos a genética. O sujeito pode ter um problema imunológico de nascença que facilita a instalação das bactérias nos pulmões. Cada um desses fatores, combinados ou não, contribuem para o aparecimento da pneumonia.
Você comentou sobre o papel de vírus como o influenza no surgimento de uma pneumonia. Nesse sentido, tomar a vacina contra a gripe ajuda de alguma maneira a evitar uma complicação mais grave causada pelas bactérias?
Sem dúvida. Há preocupação com o vírus sincicial respiratório em crianças e o influenza em idosos. Está muito claro que, ao prevenir uma infecção viral por meio da vacinação, você também evita muitos casos posteriores de pneumonia.
A vacina contra a pneumonia é indicada para crianças, idosos e alguns outros grupos e há versões que protegem contra 10, 13 ou 23 sorotipos. Existe uma perspectiva de aumentar o número de pneumococos incluídos nos imunizantes?
Até hoje, a ciência já descobriu quase 100 sorotipos de pneumococo. Alguns são mais comuns, outro menos. A primeira vacina que surgiu protegia contra 23 membros dessa família bacteriana. Ela existe por muitos anos e tem um papel importante na prevenção.
No começo dos anos 2000, foram lançadas as vacinas conjugadas, que são mais efetivas. Elas começaram protegendo contra 7 sorotipos e logo surgiram as atuais, que contém 10 ou 13.
Do ponto de vista da pesquisa e do desenvolvimento, é tecnicamente complicado incluir novos pneumococos nelas. Mas existe a perspectiva de que esse número suba para 15 em breve. Alguns laboratórios farmacêuticos estão tentando incluir mais 6 ou 8 sorotipos, mas os estudos estão em fases iniciais.
Além da vacinação, quais são as estratégias de prevenção contra a pneumonia pneumocócica?
Depende de quem estamos falando. Nas crianças, hoje em dia temos muito debate se a amamentação previne contra a pneumonia, pois evidências recentes comprovam que o aleitamento materno protege de outras infecções. Em adultos, a primeira coisa é abandonar o cigarro. Sem contar que o fumo passivo também prejudica: filhos cujas mães fumam dentro de casa têm mais pneumonia.
Em alguns lugares do mundo, as pessoas possuem lareiras ou fornos a lenha dentro de casa e inalam muita fumaça. É preciso abandonar esse hábito. E, claro, não custa citar novamente, a indicação de vacina para crianças, idosos e pessoas de alto risco, como os portadores de doença crônica.
E por que os indivíduos com doenças crônicas estariam sob maior risco de desenvolver uma pneumonia?
Na verdade, existem várias situações que aumentam o risco de pneumonias. A necessidade de retirar cirurgicamente o baço, por exemplo. Ou uma infecção pelo HIV. Essas pessoas ficam mais suscetíveis.
É aí que entra a vacinação e, caso apareçam sintomas, um tratamento efetivo e um acompanhamento de perto. O risco de pneumonia é mais alto até os dois anos de vida.
Por isso, vários países incluem o imunizante contra a pneumonia na infância em suas políticas públicas de saúde. Depois, conforme crescemos, a probabilidade de sofrer com uma infecção pulmonar diminui aos poucos. Ela volta a subir novamente ao envelhecermos, aos 60 e poucos anos. Essa é a razão de se indicar a vacina para essa faixa etária também.
Quais são os próximos passos na pesquisa e no desenvolvimento de novas soluções contra a pneumonia?
Em primeiro lugar, nós precisamos encará-la como uma luta em várias frentes. É cuidar da nutrição, ter um estilo de vida saudável, alterar comportamentos de risco como o tabagismo, construir casas de uma maneira diferente…
E volto a insistir: não podemos deixar de vacinar as crianças. Isso porque muitas vezes são elas quem transmitem as bactérias para outras pessoas, geralmente os familiares mais velhos. O objetivo da imunização não é zerar completamente o número de casos, mas diminuir os quadros mais sérios, que são potencialmente fatais.
Ao controlarmos os pneumococos agressivos, vamos ter aos poucos um perfil de doença menos severo. Quem sabe no futuro não tenhamos uma vacina que proteja contra 15 ou 20 sorotipos de pneumococo? Enquanto isso não vem, devemos fazer o melhor possível dentro daquilo que já temos.