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Bets e loterias: 28 milhões de brasileiros estão envolvidos com apostas

Apesar da proibição, adolescentes estão entre os apostadores e em maior risco de desenvolvimento de transtornos associados aos jogos, mostra estudo

Por Lucas Rocha Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
27 mar 2025, 16h29
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Vício em apostas é uma questão de saúde pública (Ilustração: Andrii Sedykh/Getty Images/Veja Saúde)
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Que as apostas se tornaram uma febre pelo Brasil não há dúvidas, mas os impactos para a saúde mental da população ainda estão sendo mensurados pela ciência.

Para se ter uma ideia, cerca de 28 milhões de brasileiros fizeram algum tipo de jogo no último ano, de acordo com um novo estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É o equivalente a 18% da população.

Nesse pacote, estão as mais diversas modalidades, incluindo loterias, bets e até jogo do bicho, por exemplo. Considerando o envolvimento com lances em qualquer momento da vida, esse percentual alcança quase 26% da população.

+ Leia também: A anatomia dos vícios: por que eles surgem e como domá-los

Os indicadores mostram que mais de um terço dos apostadores (38,6%) enfrenta algum grau de risco ou transtorno relacionado ao vício.

O grupo mais vulnerável é o de adolescentes. Apesar da proibição legal, 10,5% dos jovens com idade entre 14 e 17 anos relataram lances no último ano. E 55,2% dos apostadores nessa faixa etária têm um comportamento problemático, que pode indicar risco de dependência.

A médica psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca que entre os mais novos há um risco direto financeiro e o do desenvolvimento de transtornos mentais associados às apostas.

“Os aplicativos de aposta online foram desenhados com um mecanismo de reforço intermitente, ou seja, as recompensas ocorrem em intervalos aleatórios e imprevisíveis. Esse tipo de mecanismo estimula um padrão de comportamento repetitivo que pode levar à compulsão”, explica.

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+Leia também: “Os vícios são um sintoma de uma sociedade em crise”, diz autoridade no tema

Kanomata detalha que diversos processos estão envolvidos, desde questões neuropsiquiátricas a fatores relacionados à personalidade e a dificuldade de controle dos impulsos.

“Esses pontos estão em desenvolvimento durante a infância e adolescência, inclusive o circuito do prazer e recompensa, o que pode favorecer não somente o risco para uma dependência em aposta, mas também para outras substâncias. Além disso, problemas com jogo podem levar a prejuízos no desempenho escolar e no desenvolvimento socioeomocional”, resume.

Crescimento das apostas digitais

O levantamento revela que a popularidade das apostas tem sido impulsionada tanto pelas plataformas digitais quanto por publicidades agressivas. Sites de jogatina on-line superam o jogo do bicho em adeptos, por exemplo, envolvendo cerca de 9,1 milhões de brasileiros.

“Muitas pessoas com dificuldades financeiras acreditam na fantasia de que podem ganhar dinheiro de forma rápida e fácil. A combinação de desespero e a esperança acaba por levar muitos a apostarem”, enfatiza Kanomata.

A especialista aponta ainda para a questão regulatória. “A regulamentação sobre as bets sofreu mudanças para tentar proteger o consumidor, mas levou um período de tempo que permitiu que muitos já perdessem o controle sobre o comportamento de apostar”.

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As plataformas digitais se consolidaram como a segunda modalidade mais utilizada no país, sendo mencionadas por quase um terço dos apostadores (32,1%), ficando atrás apenas das clássicas loterias (71,3%).

Para o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as ferramentas virtuais facilitaram o acesso das pessoas a esse tipo de conteúdo. “O universo dos jogos é onde circula mais dinheiro na internet. Você pode apostar de um celular, em qualquer lugar”, frisa Nardi.

A pesquisa

O Levantamento Nacional sobre Álcool e Drogas (LENAD III) foi realizado entre 2022 e 2024, obtendo uma amostra total de 16.608 participantes com 14 anos ou mais, selecionados de forma aleatória, considerando todas as regiões brasileiras.

É a primeira vez que a pesquisa inclui os jogos e apostas no inquérito.

Os achados da análise também estão disponíveis no Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid), iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A ferramenta, que reúne pesquisas, estudos e legislações sobre o tema, visa subsidiar políticas públicas a partir de evidências.

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“O Obid se encaixa nessa filosofia de compartilhar dados publicamente com a sociedade para que ela possa se integrar nessa luta e melhorar a situação não somente da segurança, mas também da saúde pública em nosso país”, declarou o ministro Ricardo Lewandowski, em comunicado.

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Clique para ampliar (Ilustrações: Editoria de Arte/Veja Saúde)

Quando o jogo se torna um problema…

A prevalência de jogo de risco ou problemático foi de 7,3% na população brasileira, um contingente de aproximadamente 10,9 milhões de pessoas com 14 anos ou mais.

Entre os que fizeram lances recentes, a prevalência é de 38,4%. Isso significa que quase um a cada quatro jogadores tem grandes chances ou já podem ser considerados dependentes.

As apostas tornam-se um problema a partir do momento que se observa sinais comportamentais, emocionais e financeiros que indicam uma perda de controle sobre o hábito de apostar. De modo geral, o transtorno do jogo desenvolve-se ao longo de meses a anos com aumento gradual tanto da frequência quanto do valor das apostas.

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“Um padrão de ‘recuperar as perdas’ pode se desenvolver, acompanhado de uma necessidade urgente de continuar jogando, frequentemente com apostas ou riscos maiores. As pessoas podem mentir para esconder a extensão de seu envolvimento com o jogo e ocultar, entre outros, comportamentos ilícitos como falsificação, fraude, roubo ou estelionato para a obtenção de dinheiro”, explica a psiquiatra do Einstein.

A distorção cognitiva presente no transtorno do jogo pode incluir negação da compulsão, superstições, falsa sensação de controle sobre os resultados e excesso de confiança. Esses fatores dificultam o reconhecimento do problema, atrasando a busca por tratamento, e o estigma e a vergonha colaboram para isso.

“Por fim, as alterações no sistema nervoso central, especialmente no circuito de recompensa cerebral, promovem uma busca compulsiva por prazer, em um mecanismo semelhante ao observado na dependência química. Portanto, controlar ou abandonar o hábito de jogar tende a ser um grande desafio”, alerta Kanomata.

O transtorno de jogo patológico inclui ainda manifestações como preocupação excessiva com o tema, esforço frequente e sem sucesso para controlar a vontade, irritabilidade diante da abstinência, além das perdas de relacionamento, trabalho e nas finanças.

“O tratamento envolve medidas restritivas, semelhante às medidas aplicadas aos dependentes de drogas. As estratégias incluem restringir o acesso à internet, bloquear contas bancárias ou cortar o cartão de crédito, por exemplo. Além disso, associar psicoterapia cognitivo-comportamental e medicamentos psicotrópicos”, pontua Nardi.

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O estudo revela que mais da metade dos usuários de plataformas on-line apresentam indicação de descontrole, em contraste com 26,8% dos apostadores de outras modalidades. Em termos regionais, a região Sul apresentou as maiores prevalências de apostas recentes (20,4%), mas o maior risco de transtorno foi observado no Nordeste (52,3%).

A análise destaca ainda que indivíduos com renda mensal inferior a um salário-mínimo estão em maior probabilidade de desenvolver esse tipo de vício. “A população de baixa renda, em geral, tem menor nível de instrução e se ilude mais facilmente com a esperança de ganhar dinheiro fácil”, afirma Nardi.

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