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Cada vez mais reféns de remédios: um papo com a autora de “Nação Dopamina”

Médica e autora americana alerta, em seu novo livro, para uma epidemia de vício em medicamentos prescritos

Por Diogo Sponchiato
14 nov 2023, 11h25
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  • O fato de a psiquiatra Anna Lembke ter se tornado um best-seller no mercado editorial internacional diz muito sobre os tempos que vivemos.

    Depois do sucesso de Nação Dopamina, que aborda nossa eterna busca por estímulos prazerosos e frequentemente viciantes, a professora da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, volta a publicar no país pela editora Vestígio.

    Desta vez, ela mira um fenômeno que explodiu em terra americana, mas também ocorre por aqui: a epidemia de pessoas dependentes de remédios prescritos por médicos.

    Pois é, não se trata de vício em drogas ilícitas, mas do abuso de medicações como ansiolíticos, estimulantes e analgésicos, capazes de gerar dependência. Anna disseca o problema em Nação Tarja Preta — e conversa com VEJA SAÚDE a respeito.

    Nação Tarja Preta

    Parece que a humanidade está cada vez mais dependente de meios artificiais para sarar as dores do corpo e da alma, partindo, assim, para drogas legais e ilegais. Concorda com esse diagnóstico?

    Sim, concordo. A adição [termo técnico para dependência] se tornou uma praga moderna, criando a maior crise de saúde pública do nosso tempo. Prevejo que estaremos lutando com o duplo fardo da abundância e do consumo excessivo e compulsivo em um futuro próximo. É o que eu chamo de “paradoxo da plenitude”. Em resumo, o bem- -sucedido casamento da ciência com o capitalismo está transformando todos nós em adictos.

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    Desde a primeira edição de Nação Tarja Preta nos EUA, acredita que essa epidemia de pessoas dependentes de medicamentos prescritos melhorou ou piorou?

    Desde a publicação do livro, a prescrição de opioides [analgésicos cujo uso desmedido virou problema de saúde pública] caiu aproximadamente 40% em âmbito nacional. Então eu acredito que, ao trabalharmos a conscientização e impormos sanções contra a prescrição indiscriminada, melhoramos a situação. Infelizmente, porém, os casos de overdose por drogas nos EUA em geral têm crescido, principalmente pelo acesso a fentanil ilícito [anestésico potente hoje utilizado por dependentes químicos]. Em outras palavras, a fonte primária desses opioides potencialmente letais não são mais os médicos e suas receitas, mas a obtenção de drogas ilegais por meios ilícitos.

    Anna Lembke_credit Steve Fisch (1)
    A psiquiatra e chefe da Unidade de Medicina de Adição de Stanford (EUA) Anna Lembke (Foto: Steve Fisch/Reprodução)

    Além da questão dos opioides, que outros medicamentos são mais preocupantes?

    A prescrição de benzodiazepínicos [calmantes], como Xanax, Valium e Klonopin, e estimulantes, como Ritalina e Adderall, chegou a taxas alarmantes, inclusive entre crianças. Ao mesmo tempo, o movimento a favor do uso medicinal de cannabis e psicodélicos cresceu nos EUA. Vemos regularmente pessoas que fumam ou inalam cannabis de alta potência diariamente para autotratar ansiedade, insônia, depressão e dor, ou utilizam LSD e psilocibina a fim de facilitar um “despertar espiritual”.

    Mas não há evidências confiáveis de que cannabis ou psicodélicos tratam transtornos mentais como depressão e ansiedade, especialmente quando empregados fora de um ambiente terapêutico e por longos períodos. Porém, isso não impediu que eles fossem saudados como medicamentos milagrosos capazes de resolver nossa crise de saúde mental.

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    No Brasil, estamos vendo pessoas usando remédios contra o TDAH para ter mais foco e produtividade e até emagrecer. Quais os riscos?

    Quando se trata do cérebro, não existe almoço grátis. Toda medicação que tenha um efeito psicotrópico instantâneo provavelmente causará problemas se for usada no longo prazo. Isso inclui tolerância à substância — e ter de tomar cada vez mais para obter os mesmos efeitos ou achar que a droga não funciona mais —; abstinência, mesmo durante o intervalo das doses, o que piora os sintomas que levaram a pessoa a utilizar a medicação; dependência física, fazendo, em alguns casos, com que seja impossível parar de tomá-la, mesmo que ela já tenha deixado de funcionar; e a adição em si, com um uso contínuo e compulsivo, a despeito de a droga provocar danos a si ou aos outros.

    Precisamos melhorar muito a educação entre os leigos e os profissionais de saúde, sobretudo no que diz respeito às fortes evidências dos riscos e às fracas evidências de benefícios desses medicamentos, mesmo quando prescritos por um médico. E também temos que criar incentivos para que os profissionais prescrevam menos e ensinem mais seus pacientes.

    O que é crítico fazer para sensibilizar os profissionais nesse sentido?

    Desde o primeiro dia de faculdade, médicos e enfermeiros devem aprender a neurociência por trás da dependência e o que acontece com o cérebro diante de uma exposição crônica a substâncias viciantes. Os médicos são muito bons em colocar as pessoas em tratamento, mas não tão bons na hora de tirar os remédios.

    Precisamos treinar melhor esses profissionais a retirar gradualmente o uso de medicações que podem gerar dependência, assim como deixar de encaminhar pacientes com dores ou transtornos mentais a clínicas baseadas em uma flagrante polifarmácia. Também é importante adotar um modelo de consentimento em que os pacientes são mais bem informados antecipadamente para entender as implicações do uso de medicamentos adictivos, incluindo os riscos de tolerância, abstinência e dependência.

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