Depressão e suicídio ainda são tabus para os homens e jovens no Brasil
Pesquisa identifica falta de informação e vergonha de falar sobre esses dois problemas, especialmente entre adolescentes e o sexo masculino
Como em muitos temas ligados à saúde, preconceito e desinformação têm atrapalhado o manejo adequado da depressão e do suicídio. E, segundo uma pesquisa encomendada pela farmacêutica Pfizer, esses fatores são especialmente comuns entre homens e jovens.
O levantamento “Depressão, suicídio e tabu no Brasil: um novo olhar sobre a saúde mental”, realizado pelo Ibope Conecta, contou com a participação de 2 mil brasileiros a partir dos 13 anos de idade. Os dados foram coletados na cidade de São Paulo e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Fortaleza e Distrito Federal.
“Queríamos compreender como a depressão é vista pelo brasileiro. O objetivo principal foi ajudar a detectar as principais dúvidas, gargalos de informação e estigmas que persistem na população”, aponta Marjorie Dulcine, diretora médica da Pfizer.
Homens se suicidam mais e são menos informados
Para ter ideia, 30% dos entrevistados do sexo masculino acreditam que a depressão está relacionada à falta de fé ou não sabem avaliar se isso é verdade, enquanto apenas 17% das mulheres pensam da mesma forma.
Eles também apresentam desconhecimento sobre o tratamento, que é baseado em medicamentos e terapia. Mais da metade dos homens (55%) creem que atitude positiva e alegria de viver são suficientes para enfrentar a chateação ou não sabem opinar sobre essa afirmação.
“Isso é importante, claro. Mas depressão é uma doença. Então, como você vai conseguir combatê-la só com alegria e motivação?”, indaga Marjorie.
A ausência de informação se reflete nos números de óbitos. Dados do Ministério da Saúde mostram que a taxa de mortalidade por suicídio é de 2,4 mulheres a cada 100 mil, enquanto, para os homens, chega a 9,2 para cada 100 mil. Eles se matam cerca de quatro vezes mais.
“Isso está correlacionado, segundo estudos e nossa prática clínica, ao fato de os homens terem um comportamento mais agressivo e usarem métodos de suicídio de maior letalidade”, explica a psiquiatra Alexandrina Meleiro, da Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, os marmanjos acreditam com mais ênfase na ligação da depressão com fraqueza. Na pesquisa encomendada pela Pfizer, 29% dizem não estar convencidos de que isso é um mito. “Também é uma preocupação que precisamos trazer à tona e discutir. Essa é uma questão que ainda permeia a sociedade”, afirma a diretora médica do laboratório.
Quando questionados sobre o tratamento medicamentoso, pelo menos um em cada cinco (21%) alega que não tomaria antidepressivos mesmo com prescrição médica. Entre as mulheres, o índice cai para 16%.
Isso preocupa porque, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), os transtornos mentais estão por trás de 96,8% dos casos de morte por suicídio. E a depressão lidera o ranking.
Os jovens e o suicídio
A faixa etária que mais se mata é a dos idosos. “Eles passam por dor crônica, perspectiva de incapacitação, cegueira, surdez… E pequenas frustrações já são suficientes para desencadear o suicídio”, relata o psiquiatra Teng Chei Tung, coordenador do serviço de interconsultas e pronto-socorro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Porém, o número de jovens que tiram a própria vida vem aumentando. Dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que essa é a segunda principal causa de morte entre os 15 e 29 anos, atrás apenas de acidentes de trânsito.
“A juventude tem uma inabilidade natural, é inexperiente e se frustra com frequência”, aponta Tung. “Os adolescentes são mais impulsivos, fazem coisas sem pensar direito, reagem mais rápido antes de refletir e são um grupo muito suscetível a influências externas”, completa.
O levantamento da Pfizer aponta que 39% dos meninos e meninas de 13 a 17 anos não se sentem confortáveis em falar sobre a depressão em casa. Além disso, 56% dos jovens de 18 a 24 anos esconderiam um eventual diagnóstico dos colegas de trabalho ou de estudos.
“A escola, as empresas e o ambiente profissional precisam acabar com esse tabu. Como vamos criar uma rede de apoio se as pessoas não conhecem a doença ou têm preconceito?”, questiona Marjorie.
Aliás, parte dos respondentes nem mesmo acha que a depressão é um problema de saúde: 26% da turma de 18 a 24 anos imagina se tratar de uma “doença da alma”, enquanto 23% do pessoal entre 13 e 17 anos afirma que ela não apresenta sintomas físicos. Isso não é verdade: cansaço extremo, fraqueza, dores, insônia e disfunções sexuais são alguns dos sinais que o corpo dá quando a depressão se instala.
“Isso dificulta o tratamento. O jovem pensa: se é algo puramente emocional, por que tomar remédio?”, exemplifica Marjorie.
Os idosos, grupo que mais se mata, são mais conscientes sobre a necessidade de acompanhamento especializado contra essa enfermidade: 57% dos entrevistados com mais de 55 anos creem no potencial dos antidepressivos. Por outro lado, 66% dos adolescentes consideram esses remédios desnecessários ou não têm certeza da sua eficácia.
Apesar de tudo, a boa notícia é que os brasileiros estão dispostos a ouvir o outro sem julgar, caso a pessoa queira se abrir sobre pensamentos suicidas (69%). Grande parte dos entrevistados também concorda que o assunto deveria ser mais discutido (22%). Temos, portanto, uma oportunidade de melhorar essa situação.