Plantaterapia: um convite para ter mais verde em casa
Cercar-se de verde pode melhorar a saúde mental. Quem diz são os pais e mães de plantas e, fazendo coro a eles, os cientistas
Foi sintomático. Assim que a liberdade de andar pelos parques e praças sofreu um revés no pior momento da pandemia, trazer o verde para dentro do próprio lar se tornou quase um imperativo. E até quem não tinha o hábito de cultivar plantas passou a se aventurar entre elas.
Segundo Ricardo Ortiz, diretor do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor), mesmo com as dificuldades logísticas criadas pela Covid-19, o mercado de plantas cresceu no período — aumentou 10% em 2020 e 15% em 2021.
Para amainar a solidão e a crueza das paredes, houve desde quem recrutasse suas primeiras suculentas (espécies de fácil manutenção e preço atrativo) até quem montasse uma floresta na sala de estar.
Essa biofilia, o desejo de conexão com a natureza, foi intensificada nos últimos anos, mas há tempos vem firmando raízes. “Devido à melhoria na qualidade das espécies, a mais opções de formas e tamanhos e a novidades chegando ao mercado, o consumo doméstico de plantas cresce a uma média de 10% ao ano desde 2012”, informa Ortiz.
“Com o confinamento, as flores em vaso e as folhagens ornamentais acabaram atraindo mais gente, porque as pessoas queriam deixar a casa mais bonita e agradável”, detalha. A tendência foi ao encontro do que sinalizam pesquisas há mais de três décadas pelo mundo inteiro: cultivar flores, hortas e jardins pode fazer bem à saúde.
E, em tempos árduos, dá para entender por que a plantaterapia vicejou de vez.
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Contato que mexe com o corpo
Ter plantas dentro de casa provou ser um antídoto contra o estresse e o sofrimento psíquico durante a pandemia, como documenta uma pesquisa da Universidade de Roma.
Em uma checagem on-line com 303 italianos realizada de março a maio de 2020, os cientistas identificaram que atividades relacionadas à jardinagem se mostraram um meio efetivo e plausível de amortecer as consequências mentais do isolamento social. Pessoas com vasos e canteiros no domicílio relataram melhores índices de relaxamento e bem-estar na comparação com quem não tinha nenhum verde por perto.
Por que somos tão afetados por essa presença vegetal? “Nós, como espécie, evoluímos biologicamente com a ajuda da natureza. Recorremos às plantas para nos abrigar e nos esconder de predadores, para nos alimentar e até como combustível para o fogo. Estar perto delas em um momento difícil como o que passamos provoca uma resposta subconsciente de proteção, reduzindo os níveis de cortisol, aumentando os níveis de oxigênio no sangue e melhorando nosso humor”, explica Melinda Knuth, professora de ciências hortícolas da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Segundo ela, até mesmo a estrutura cerebral é afetada. Um estudo recente constatou que ficar mais tempo ao ar livre e em contato com a natureza está associado a um aumento no córtex pré-frontal, região envolvida no planejamento e no desempenho cognitivo.
Evidências de um impacto positivo, particularmente na saúde mental, vêm se somando nas últimas décadas. Uma revisão substanciosa conduzida pela Universidade de York, na Inglaterra, coloca a jardinagem e a horticultura, ao lado de passeios por parques e trilhas em florestas, entre os hábitos mais bem-vindos à cabeça.
Na mesma linha, outro levantamento feito por pesquisadores ingleses, em cima de 8 896 artigos publicados entre 1990 e 2019, concluiu que desfrutar do verde no dia a dia tem um efeito mental restaurador, o que reduz a exposição a estresse, ansiedade e depressão.
O contato físico com as plantas e o foco exigido nos cuidados com elas parecem ter o potencial de desarmar as tensões. Em experimentos, testes neurológicos indicam que a frequência de ondas neurais costuma diminuir, favorecendo a calma e a concentração, quando as pessoas estão imersas nessa tarefa, assim como a análise de amostras de sangue e urina aponta redução no nível de cortisol, o hormônio do estresse, e na pressão arterial. Aí estariam alguns possíveis mecanismos capazes de justificar o efeito terapêutico das plantas.
Ainda não está claro qual a dose ideal e quão perto precisamos estar do verde para sentir esses benefícios. Parece consenso que uma caminhada de 30 minutos em um local bem arborizado já desperte uma sensação de paz.
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Verde nas políticas públicas
Os dados obtidos nos estudos são tão relevantes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bairros tenham sempre um parque a menos de 500 metros das casas.
“No Brasil, o levantamento ELSA (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), que está estudando os hábitos de vida de 4 500 funcionários da Universidade de São Paulo (USP), entre outros, verificou que, de fato, quem mora em um raio de até 1 quilômetro de um parque tem menor risco de desenvolver hipertensão do que os que moram longe”, conta Thais Mauad, professora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP.
“Estar em um ambiente natural desencadeia muitas consequências no organismo. Além de você relaxar, está se exercitando, tomando sol e, se a atividade for em grupo, afugentando um fantasma da saúde mental, a solidão”, avalia a médica. Thais fala com a propriedade de quem também bota a mão na terra.
Fora a especialização em patologia pulmonar e ambiental, ela é cofundadora de uma horta na faculdade onde leciona. O espaço começou com seis vasos de temperos e hoje já tem 400 metros quadrados. A produção, livre de agrotóxicos, é voltada para o abastecimento do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A horticultura é terapêutica também porque incentiva as pessoas a comer melhor — e a um menor custo. É o que acredita a nutricionista Luciana Tomita, que desenvolve um projeto de hortas comunitárias em Heliópolis e em Unidades Básicas de Saúde da capital paulista pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Na situação de insegurança alimentar que muitos brasileiros estão vivendo, é preciso promover a incorporação de hortaliças nas refeições e ensinar as pessoas a produzir seu próprio alimento”, defende.
Ao ar livre ou dentro de casa, o corpo agradece. Thais cita uma pesquisa da USP que mostrou que, melhor do que ter um parque para frequentar, o ideal é que o verde esteja distribuído pela paisagem à nossa volta. Portanto, quanto mais verde, melhor.
Seja pela cidade, seja no quintal ou na varanda. “As respostas positivas que recebemos, parcialmente psicológicas, parcialmente físicas, podem ser observadas simplesmente por poder cuidar das plantas. Não importa o tamanho da coleção”, diz Melinda, que cultiva ao redor de 50 espécies em casa.
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Ver a vida brotar desperta os sentimentos positivos e aplaca os negativos. Algo que uma das jardineiras mais conhecidas do Brasil sabe bem. No final do ano passado, Carol Costa sofreu um burnout. Logo ela, youtuber, autora de livros e criadora da Universidade Minhas Plantas, que respira o tema 24 horas por dia, sucumbiu à sobrecarga de compromissos.
“Diferentemente do que imaginam, eu não sou uma ‘francesa’ que acorda num campo de lavanda todos os dias. Trabalho pra caramba, muitas vezes debaixo de sol, e, como todo mundo, tenho perrengues e prazos a cumprir”, conta.
Um pouco antes da pandemia, Carol inaugurou um curso on-line para dar aulas a distância. Deu tão certo que logo depois o negócio recebeu investidores e foi catapultado para um universo de mais de 300 mil inscritos.
“É muita responsabilidade envolvida. Em uma live falei por três horas para 50 mil pessoas conectadas simultaneamente”, lembra ela. A pressão por conteúdo e o excesso de demandas a levaram ao esgotamento físico e mental.
Para voltar ao prumo, além da terapia e do tratamento médico, Carol precisou colocar em prática aquilo que professa: reconectar-se com as sutilezas do cultivo de plantas. A exuberância de folhas, cheiros, texturas e cores restabeleceu a calma e o propósito da profissional.
“Ver cada folhinha despontando, acompanhar do botão à flor, tudo isso tem um efeito mágico. O poder curativo da natureza é enorme”, descreve. “O cultivo reconecta você com um ritmo natural, que a gente esquece quando está preocupada demais com a performance. Uma planta, ao contrário, sempre lembra que tudo tem limite. Não adianta enchê-la de adubo porque ela não vai florescer mais do que pode”, reflete a autora de Minhas Plantas — Jardinagem para Todos (Paralela).
Quando begônias, píleas, marantas, peperômias e fícus povoam o ambiente, sobram entusiasmo, colorido, vida. Por isso, Carol incentiva cada um a montar um cantinho verde.
Aula de cultivo
Aos iniciantes — ou futuros pais e mães de plantas —, ela só faz questão de avisar que não é qualquer espécie que poderá morar com você. Tudo vai depender de como a luz solar entra e por quanto tempo ela fica na casa.
Para ajudar nas escolhas, a expert dá algumas pistas: “Se o sol chega forte e permanece por quatro horas ou mais, inclusive queimando móveis e piso, pode-se dizer que o espaço é de sol pleno e as plantas que mais se regozijam com esse habitat são, por exemplo, a cróton, a pleomele e a clúsia”.
Se bate um sol fraquinho, antes das 10 ou depois das 15 horas, que vai embora logo depois de uma hora, plantas de meia-sombra, como as marantas, a jiboia, a pulmão-de-aço e a costela-de-adão — que também vão bem em lugares onde não bate sol mas a claridade é boa o dia inteiro —, são melhores opções.
Para aquele canto que é só claro, onde o raio solar não alcança e, portanto, não poderá bater nas folhas da planta, apenas as espécies de sombra (sim, sombra!), como a zamioculca e a espada-de-são-jorge, são a saída.
Agora, se além de não chegar nenhum raio do sol a distância da janela para o local onde você pretende colocar a plantinha for maior do que 3 metros, não importa que esteja claro, os jardineiros consideram “breu”. As únicas sobreviventes possíveis são a zamioculca e a jiboia, duas highlanders da resistência, como Carol Costa costuma dizer.
As duas aguentam pouca rega, luminosidade e até suportam se o ambiente tiver ar condicionado ou calor abafado. A diferença é que a zamioculca se mantém saudável com uma rega semanal. Já a jiboia geralmente precisa de duas para ser feliz.
Feito o diagnóstico da luz, escolhida a espécie certa considerando o espaço disponível — uma costela-de-adão, por exemplo, precisa de cerca de 1,5 metro para crescer e não deve ficar em local com incidência direta do sol —, os principais cuidados se concentram na oferta de água e nutrientes.
Está em dúvida sobre a rega? Enfie o dedo na terra e tire: se sair sujo e úmido, está ok; se saiu seco, tem que molhar.
Conhecer a terra e tratar bem dela também é importante. “A maioria das pessoas compra um saco de terra e a distribui pelos vasos. Não faça isso. Se você utilizar apenas essa terra, que não tem muito oxigênio e nutrientes, e depois regá-la, o solo vai ficar compactado e a planta vai sofrer. O substrato ideal solta com facilidade na mão. Sugiro uma parte de húmus de minhoca, uma de fibra de coco e uma de terra vegetal”, aconselha o paisagista e jardineiro Edu Chagas, da startup Mamangava.
Renovar o estoque de vitaminas e minerais no solo de tempos em tempos é outro requisito básico. Se faltar adubo, pronto ou fruto de compostagem caseira, a planta enfraquece e pragas oportunistas se aproveitam. Se, por outro lado, a folhagem estiver recebendo luz, água e nutrientes na medida, tudo tende a dar certo.
E hoje temos à disposição um monte de livros, vídeos e cursos para nos aperfeiçoar, do básico ao avançado. Quer um exemplo? O recém-lançado Mais Plantas, Por Favor, da americana Alessia Resta (Paralela).
É questão de treino, aprendizado e rotina. Você pode começar com cactos e suculentas e passar de fase para espécies nativas da Mata Atlântica. Pela beleza e afeto que despertam, e os benefícios à saúde, todo empenho pelo verde vale a pena.
Quando tem criança ou pet em casa
Pela alta concentração de oxalato de cálcio, substância que, se ingerida, pode causar vômitos e até mesmo obstruir as vias respiratórias, algumas plantas são contraindicadas em casa com bichos e crianças pequenas.
Entre elas: espada- -de-são-jorge, comigo-ninguém–pode, copo-de–leite, jiboia e todas aquelas que soltam uma seiva leitosa.
“Os filodendros, a costela-de-adão e os antúrios contêm uma quantidade teoricamente segura da substância, mas eu não deixaria um cachorro pequeno comer uma de suas folhas”, diz o paisagista Edu Chagas.
“O melhor é optar pelas folhagens zero tóxicas: samambaias, marantas, Rhipsalis, begônias e peperômias”, recomenda. A colmeia-sino é outra espécie pet friendly.
Plantas melhoram o ar da casa?
Esse é um tema que gera controvérsia na comunidade jardineira. “Há evidências de que as plantas podem extrair metais pesados do solo e, com isso, melhorar a saúde da terra. E existe a hipótese de que fariam o mesmo eliminando toxinas do ar, mas isso ainda não está confirmado em pesquisas controladas”, esclarece a professora americana Melinda Knuth.
Embora alguns estudos tenham demonstrado que as plantas aumentam o nível de oxigênio de um ambiente, isso só é mensurável em grandes quantidades, considerando árvores e todo um ecossistema florestal.
Dentro de casa, a verdade é que ainda não se tem certeza se as flores e plantas ornamentais teriam alguma capacidade purificadora. O que se sabe é que levantam o nosso astral.