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Tilápia, o peixe que dominou o Brasil

A tilápia já é o pescado mais cultivado no país. Vem ganhando as águas, o mercado e o prato dos brasileiros

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 21 fev 2020, 10h31 - Publicado em 31 out 2017, 10h11
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  • Uma conquistadora nata. É assim que a gente pode definir a tilápia, espécie que encabeça, com folga, a lista dos peixes de água doce mais criados e comercializados no Brasil – a produção saltou 223% entre 2005 e 2015, totalizando mais de 219 mil toneladas anuais. Mas como é que um pescado exótico, com origens na África e no Oriente Médio, expandiu seus domínios nestas terras, famosas inclusive pela riqueza da sua fauna aquática? Dá pra resumir a história em três capítulos: as particularidades do peixe, a tecnologia e profissionalização no cultivo e o apelo com o consumidor.

    Digamos que a tilápia do Nilo, o tipo que impera no país, é um fenômeno do ponto de vista evolutivo. “É uma espécie rústica, que se ajusta com facilidade ao ambiente, é agressiva territorialmente, se reproduz o ano inteiro e se alimenta de tudo.

    Ou seja, tem muitas características exploradas pelos produtores”, explica o biólogo Mário Orsi, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL). De acordo com Luiz Ayroza, diretor do Instituto de Pesca de São Paulo, a tilápia já representa ao redor de 90% dos pescados de cultivo do país. “Ela ganha peso precocemente e, com os programas de melhoramento genético, hoje possui uma taxa de crescimento maior que a das outras espécies criadas por aqui”, conta.

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    (SAÚDE/SAÚDE é Vital)

    É claro que o homem deu uma força para o bicho. “A tilápia tem o que chamamos de pacote tecnológico bem estabelecido, um passo a passo definido para o produtor”, nota a veterinária Hellen de Almeida Kato, da Embrapa Pesca e Aquicultura. Tipo de ração, quantidade de peixe por tanque, recursos técnicos… É a receita para a produtividade bombar.

    O zootecnista Alexandre Hilsdorf, professor da Universidade de Mogi das Cruzes (SP), traça um paralelo entre a guinada da tilápia e a ascensão do salmão de cativeiro. “Há um tripé para uma espécie de cultivo obter êxito e ele é constituído de manejo correto, alimentação adequada e melhoramento genético”, afirma.

    Um último ingrediente veio coroar esse currículo, a aceitação e demanda do consumidor. Olha os atrativos para o freguês: carne branca, magra e suave, sem odor intenso, capaz de render filés sem espinhas.

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    Até criança gosta. E tem o custo/benefício. A tilápia inteira sai, em média, 14 reais o quilo. O filé, por sua vez, cerca de 35 reais. “É um pescado com preço mais acessível e fornecimento constante”, observa Renata Melon Barroso, expert em tilapicultura da Embrapa.

    Não é à toa que o peixe, vendido também como Saint Peter por aí – o nome, pretensamente mais gourmet, se refere, na verdade, a uma variedade de pele vermelha -, nada cada vez mais do mercado para os restaurantes e as mesas de casa.

    O Brasil está entre os dez maiores produtores de tilápia do planeta, ranking liderado pela China. Por aqui, destacam-se polos de cultivo no Paraná, em São Paulo e no Ceará. A tilapicultura movimenta a economia nessas praças.

    “Tem lugar no Nordeste em que, após a introdução do peixe em açudes, a população conseguiu sair do estado de pobreza”, conta Hilsdorf. A história seria perfeita se, como sinalizam alguns biólogos, o avanço da tilápia não tivesse um efeito colateral: sem o devido controle, ela se torna uma ameaça ao ambiente.

     

    Tilápia: uma ameaça para o meio ambiente?

    É o que alerta o professor Mário Orsi, que coordena o Laboratório de Ecologia de Peixes e Invasões Biológicas da UEL. Como a tilápia pode ser cultivada em águas públicas, como represas, lagos e reservatórios, seu perfil dominador é capaz de impor reveses ao ecossistema e às espécies nativas. “Estamos diante de um peixe que sobrevive até em água de esgoto. Que dirá em águas boas?”, diz Orsi.

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    Altamente adaptável, ágil na reprodução e resistente, a tilápia conquista fácil, fácil novos territórios. “Em um estudo que realizamos em um rio barrado, constatamos que, após a instalação de tanques de tilápia na região, 11 de 14 espécies nativas foram extintas”, revela o biólogo.

    O modelo de cultivo no Brasil é uma das grandes preocupações do especialista. Segundo ele, os tanques-rede, principal forma de criação por aqui, não garantem total controle sobre os peixes, que podem escapar e se apropriar de outros locais. O ideal seria recorrer só a tanques escavados, que, embora sejam mais caros de se implementar, seriam mais seguros desse ponto de vista – é o modelo adotado em Israel, por exemplo. Orsi também questiona o uso de hormônios (empregados para fins reprodutivos) e antibióticos em algumas zonas de criação, o que poderia colocar em perigo a saúde do consumidor.

    Nem todos os pesquisadores compartilham dessa visão crítica. “A tilápia já está estabelecida há anos no país e, por ser onívora, não compete com os peixes nativos”, avalia Ayroza. Para Renata Barroso, da Embrapa, a profissionalização do cultivo faz cair o risco de problemas de segurança ambiental e alimentar. “É uma atividade que demanda muito profissionalismo do produtor, com o manejo adequado da ração e dos efluentes”, completa.

    E o uso de hormônios e antibióticos? “Em uma análise com 500 mil amostras do peixe, não foram identificados resquícios de hormônios”, relata Renata. Ainda de acordo com ela, antibióticos só entram em cena em casos de extrema necessidade.

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    (SAÚDE/SAÚDE é Vital)
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    Conciliar a produtividade com o respeito ao ambiente tem norteado inclusive novas regras e orientações ao produtor. O estado de São Paulo é pioneiro nesse sentido, com a publicação de uma nova portaria para guiar a criação da tilápia. “Ela identifica onde e como pode ocorrer o cultivo e, ao abordar questões como o controle de qualidade da água, reflete a nossa preocupação com a sustentabilidade”, descreve Ayroza.

    É hora de sair dos tanques, passear pela feira ou pelo supermercado e seguir, finalmente, para a cozinha ou o restaurante. Afinal, quando o assunto é nutriente, o que é que a tilápia tem? “A composição nutricional varia de acordo com o que o peixe consome, mas podemos dizer que, em geral, ela é um pescado magro, fonte de proteínas e gorduras insaturadas”, destaca a zootecnista Érika Furlan, do Instituto de Pesca de São Paulo. Essa equação “menos calorias, mais proteínas” virou inclusive chamariz para a turma fitness, ávida por turbinar os resultados da malhação.

    Falou em peixe, falou em ômega-3, certo? E aí, a tilápia também oferta essa bem-vinda gordura insaturada? “Os níveis são mais baixos que os de peixes gordos de água salgada, como, a rigor, acontece com os demais pescados de água doce”, diferencia Érika. Pois é, nesse quesito, salmão e sardinha deixam nossa protagonista vendo navios.

    Ainda assim, o professor Alexandre Hilsdorf conta que existem evidências de que a pele da tilápia, não raro desprezada, fornece gorduras das boas. Que tal preservá-la no seu próximo momento masterchef?

    A nutricionista Renata Guirau, da rede Oba Hortifruti, pesca outra virtude do peixe. “Ele oferece fósforo, um mineral tão importante quanto o cálcio para a saúde óssea.” São predicados que, ao lado de uma boa procedência e respeito às regras sanitárias, jogariam a favor de a espécie ser mais uma opção à mesa do brasileiro – que ainda deixa a desejar no consumo de pescados. A ideia não é que ela monopolize o cardápio, mas possa dividi-lo com peixes marinhos e outros de água doce 100% tupiniquins, caso de pintado, tambaqui…

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    Escolhas e modo de preparo

    Em nome da praticidade, dá para levá-la fresca ou congelada para casa. Se preferir a primeira opção, atenção para a cor, o odor e a consistência do alimento. A versão congelada não impõe perdas nutricionais, mas também cobra olhar apurado. “Observe se não existem sinais de descongelamento prévio, como filés grudados uns nos outros e presença de gelinho dentro da embalagem”, orienta Érika. Selos de inspeção e origem no produto também são garantias de qualidade.

    Quanto ao preparo, saiba que a textura e o sabor suave da tilápia dão asas (ou seriam nadadeiras?) à imaginação. Hoje ela bate ponto na moqueca e até em rodízio japonês, compartilhando a barca de sashimis com atum e salmão. “Só vale evitar a fritura por imersão”, aconselha Hellen Kato. Melhor fazê-la assada, ao molho, no papillote… Fica ao gosto do freguês, que, com essa versatilidade, poderá ver o peixe que domina as águas brasileiras se apossar de outro pedaço: a sua mesa.

    Por dentro do filé

    Calorias – A tilápia é considerada um peixe magro. Uma porção de 100 gramas tem ao redor de 120 calorias. É claro que o tipo de preparo influencia essa conta.

    Proteínas – É uma fonte de proteína de alto valor biológico, como outros alimentos de origem animal. Possui o teor médio dos peixes, entre 16 e 19% da sua composição.

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    Gorduras – Por ser magra, ela apresenta menos ácidos graxos que peixes famosos como salmão, atum e sardinha. Eles inclusive fornecem bem mais ômega-3 que a tilápia.

    Minerais – Esse pescado oferece, entre outros componentes, selênio, importante para as defesas antioxidantes do corpo, e fósforo, caro à manutenção da massa óssea.

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