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Alimente-se com Ciência

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Há muita ciência por trás das refeições. Neste espaço, profissionais da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição destrincham o papel de alimentos, nutrientes e cardápios realmente equilibrados em prol da saúde

Comer é um ato político em todos os seus aspectos

Nossas escolhas alimentares nunca foram tão carregadas de sentido como agora, segundo uma nutricionista

Por Márcia Terra, nutricionista*
Atualizado em 21 fev 2019, 14h50 - Publicado em 21 fev 2019, 12h25
alimentação saudável
Produtos orgânicos, produzidos localmente, com poucos ingredientes... Será que isso é possível para todas as pessoas do nosso planeta?  (Foto: Dercílio/SAÚDE é Vital)
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Até pouco tempo atrás, comida era apenas comida. Mas, hoje, comida é tudo menos “só comida”. Ela deixou de ser somente sustento para virar símbolo de ativismo, ética, posição política, bandeira de resistência e até motivo de discórdia entre tribos urbanas. As pessoas se sentem pressionadas a comprar e comer de forma sustentável, saudável e, acima de tudo, responsável. Muitos até defendem que “você vota com o seu garfo”.

E várias são as correntes contra a comida industrializada. O movimento “clean label”, por exemplo, prega que, para o alimento ser mais saudável, ele deve ter menos ingredientes – mas vale dizer que essa percepção não faz jus quando interpretada pela ótica da ciência.

Apoiados pelo discurso da sustentabilidade e melhor qualidade de vida, muita gente também defende que é melhor comer alimentos produzidos localmente, sem defensivos agrícolas e cultivados naturalmente. O discurso se baseia na defesa do pequeno produtor em detrimento ao grande e às cadeias de varejistas, ou melhor, ao “big business”.

Entendo que ninguém seja contra o consumo de alimentos cultivados localmente, nutritivos, seguros, de boa qualidade e com preços justos. Mas a questão que se coloca é: isso é possível para todas as pessoas do nosso planeta? Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial deve atingir quase 10 bilhões em 2050.

E a concentração do crescimento da população global nos países mais pobres representa um desafio adicional para o cumprimento da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para 2030, que preconiza a eliminação da pobreza e da fome, expansão dos sistemas de saúde e educação, igualdade de gêneros e redução da desigualdade.

Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO), a produção de alimentos terá de aumentar 70% para dar conta de alimentar a população mundial. E como conseguiremos isso? Muitos especialistas concordam que teremos comida suficiente, mas não nos lugares certos.

Vale lembrar que muitos fatores influenciam na segurança alimentar. Além da questão técnica, a produção de comida envolve assuntos políticos, econômicos e de poder. Em paralelo, a fome e a desnutrição afetam de diversas maneiras as capacidades do ser humano, como o aprendizado, a produtividade e o bem-estar. Então, no âmbito mais amplo, a insegurança alimentar causa desigualdade social e violência, afetando profundamente toda população de uma nação.

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Muitos ativistas criticam a agricultura intensiva e extensiva em detrimento da agricultura local e orgânica, mas todos nós sabemos que, sem a agricultura em grande escala baseada em tecnologia, não será viável atender a toda a população mundial. O importante é entender que a forma tradicional não elimina os métodos modernos. A tecnologia e a ciência serão imprescindíveis para vencer o desafio das mudanças climáticas, da restrição de água e de solo, além do aumento da demanda.

A urbanização continuará a avançar de forma acelerada, o aumento da renda por indivíduo irá alterar as exigências e preferências alimentares, passando a incluir mais variedade e maior valor nutricional na dieta da população.

Ao mesmo tempo, a sustentabilidade ganha cada vez mais relevância em todos os setores da economia. Na agricultura, o uso de práticas sustentáveis traz impactos e benefícios diretos. Uma fazenda sustentável é o resultado da união entre a produção de alimentos com o respeito ao meio ambiente e a lucratividade. Atingir esse equilíbrio envolve investimento, métodos e práticas sustentáveis na propriedade.

Biotecnologia, bioengenharia, genética, tecnologia da informação e bioquímica são algumas das áreas de estudo que deverão caminhar juntas e em convergência para melhorar a qualidade e a produtividade agrícolas. Parcerias público-privadas podem ser o modelo de negócios que ajudarão a melhorar os processos e desenvolver inovações na agricultura.

Os avanços no sensoriamento remoto, por meio de equipamentos hiperespectrais, softwares de análise de dados ambientais sobre clima, e amostragem do solo, permitem obter resultados significativos para uma agricultura de precisão.

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Por meio de imagens, os equipamentos podem detectar, por exemplo, falhas nas plantações, áreas com falta ou excesso de água e locais em que é preciso utilizar defensivos ou suplementos agrícolas de forma muito mais precisa. Assim, reduz-se a quantidade de químicos aplicados e os recursos despendidos.

As soluções agrícolas inteligentes englobam ainda o monitoramento de rebanhos, acompanhamento dos ciclos de ovulação do gado, otimização do uso da água e de pesticidas, além de controle de pragas e doenças. O trabalho das agritechs e das foodtechs será fundamental para enfrentar o problema de alimentar o mundo.

Mudanças na cidade

Além da agricultura em larga escala, as fazendas urbanas ou verticais deverão ser uma realidade cada vez mais frequente em todo o mundo. Afinal, enquanto a maior demanda de alimentos está nos grandes centros urbanos, a produção de alimentos se localiza a centenas ou milhares de quilômetros de distância.

Problemas de logística, como custo do frete e desperdício por falta de conservação, são decorrentes dessas grandes distâncias. O conceito de fazendas urbanas permite que os alimentos possam ser cultivados dentro de grandes cidades.

E, melhor, produzidos de forma orgânica, sem agrotóxicos ou químicos, utilizando a aquaponia – que combina aquicultura, ou seja, o cultivo de peixes, e a hidroponia, que é o cultivo de plantas sem usar terra, só tendo raízes submersas na água.

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Veja: os resíduos dos peixes fertilizam as plantas, as plantas filtram os nutrientes e a água volta limpa para os peixes, poupando, assim, 95% do líquido se comparado com a agricultura tradicional.

Sabemos que a agricultura urbana nunca conseguirá alimentar o mundo, mas o ponto importante é que os recursos naturais das cidades podem ser amplamente melhorados.

A questão do desperdício

Fora isso, toda a cadeia de suprimentos precisa ser reavaliada. Entre a hora que o alimento sai das fazendas e chega às nossas casas, ele passa por vários processos que compõem uma longa cadeia de suprimentos – e no meio desse caminho ocorre muito desperdício.

Entre todas as variáveis, há uma que chama a atenção e até pouco tempo atrás não era discutida. Estou falando das regras para a data de validade dos alimentos embalados. No Brasil, a regra é clara: se passou da data limite, o alimento não pode mais ser comercializado nem consumido.

Só que existem países que usam o “use by” (consuma até) e o “best before” (melhor antes). E poucas pessoas sabem a diferença entre essas duas maneiras de expressar a vida de prateleira de um alimento. Entenda:

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Use by: significa que o consumidor deve consumir o alimento até a data escrita na embalagem. Após essa data, os alimentos podem não estar mais próprios para consumo, mesmo que a aparência pareça boa. Após essa data a venda é proibida, pois os nutrientes podem se tornar instáveis ou ocorrer o acúmulo de bactérias.

Best before: significa que é possível consumir o alimento após a data escrita na embalagem, pois os alimentos ainda estão próprios para o consumo. Desde que, é claro, se assegure que a embalagem esteja íntegra e em bom estado. E o alimento deve ter boa aparência e odor característico. Em resumo, essa data simplesmente indica que o produto pode perder um pouco de sua qualidade após esse prazo.

A modalidade best before propicia uma flexibilidade maior ao prazo de validade, porque passa para o consumidor a responsabilidade de analisar a qualidade do alimento a ser consumido. Entretanto, muitas pessoas consomem os alimentos considerando as duas modalidades (“use by” e “best before”) como sendo iguais, ou seja, como prazo limite para consumo, e isso acaba levando comida em boas condições para o lixo.

Alguns órgãos regulatórios internacionais já discutiram a alteração dessas regras e até mesmo chegaram a debater a eliminação do prazo de validade para muitos alimentos, como café, arroz, massa seca, geleias, picles, entre outros. Tudo para ajudar a reduzir o desperdício de alimentos próprios para o consumo.

Essas ações mostram que todos nós que trabalhamos com alimentos temos sempre que reavaliar comportamentos, conceitos, certezas, crenças, atitudes. Além de estarmos constantemente atualizando o conhecimento para informar corretamente os consumidores sobre as melhores práticas de consumo alimentar.

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É possível que os próprios consumidores sejam capazes e estejam habilitados a avaliar se a sua comida está em boas condições de consumo ou não. Uma checagem simples, física e sensorial, usando o bom senso, já seria o suficiente. Ora, em última análise, se a comida parece estragada e cheira mal, com certeza será descartada.

Pensando nessas modalidades, será que não seria hora de começar a discutir esse tema por aqui também? Ou você é daqueles que pensa que se a validade venceu hoje, o produto estará estragado amanhã? Você já jogou algum alimento embalado vencido fora? Que atire a primeira embalagem quem nunca fez isso…

Empoderar o consumidor significa torná-lo mais consciente e responsável pela qualidade dos alimentos que consome. Essa pequena mudança de atitude pode ajudar a diminuir consideravelmente o desperdício de alimentos em bom estado e ajudar na sustentabilidade do nosso planeta. Dessa forma, também concordo que comer é um ato político.

*Márcia Terra é nutricionista e secretária-geral da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban)

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