Em 2017, um grupo de psicólogos pediu, na Justiça, a suspensão de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que regulamenta a atuação desses profissionais em questões relativas à orientação sexual. A solicitação buscava legitimar as chamadas “terapias de conversão”, que são práticas sem nenhum embasamento científico que tentam “corrigir” a identidade de indivíduos LGBT+ (ou seja, lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, travestis e outras identidades). Foi o que muitos chamaram de “cura gay”.
Pouco depois desse episódio, uma publicação do CFP trouxe relatos de pessoas LGBT+ que haviam vivido situações de violência em serviços e atendimentos de cuidado em saúde mental. Em um deles, o entrevistado afirmava que “o psicólogo me dizia (…), por exemplo, que homens gays eram promíscuos, incapazes de serem fiéis, que eram pessoas tristes, (…) com a sensação de serem incompletas, com vazio, pessoas solitárias”.
Apesar das muitas conquistas nos últimos anos, ser uma pessoa LGBT+ no Brasil ainda é atravessar violências estruturais, muito além da violência física ou verbal. Entender isso é fundamental quando pensamos na dificuldade (e até na desconfiança) da população LGBT+ em procurar e acessar cuidados em saúde mental.
Boa parte da estrutura responsável por cuidar da saúde mental da população brasileira é moldada por essas violências e, muitas vezes, ajuda a reforçá-las. Como resultado, pessoas LGBT+ não têm qualquer garantia de que não sofrerão violências ao procurar acolhimento psicológico. Os relatos do CFP ilustram essa realidade.
Agora considere que a existência de muitas pessoas LGBT+ é marcada, desde cedo, por uma suposta “inadequação à própria vida”, como se elas tivessem nascido “quebradas” (o que, com frequência, resulta em quadros de sofrimento psíquico). Nesse sentido, o acesso a bons cuidados de saúde mental pode ser determinante para o desenvolvimento da autonomia sobre a própria vida e para que o indivíduo não fique paralisado, amedrontado e sentindo culpa por ser quem é.
Como psicólogo e ativista LGBT+, vejo a questão da saúde mental ganhando cada vez mais espaço e importância. Há novos projetos para facilitar e ampliar o acesso dessa população a cuidados de saúde mental seguros e de qualidade.
Uma dessas iniciativas é o Acolhe LGBT+, uma plataforma online que busca conectar pessoas LGBT+ que precisam de acolhimento psicológico com profissionais de psicologia que aceitem atendê-las de forma voluntária. O projeto é uma iniciativa das organizações LGBT+ All Out e TODXS. Em poucas semanas, já conectou mais de 300 pacientes com especialistas em todo o país. Fico muito feliz de coordenar esse projeto.
Assim como o Acolhe LGBT+, há outros programas com objetivos similares. Muitas casas de acolhimento para pessoas LGBT+ têm oferecido atendimento psicológico gratuito, por exemplo. Há também serviços online disponibilizando atendimento com valores simbólicos, rodas de conversa conduzidas por ativistas e por aí vai.
Mesmo com políticas públicas, diretrizes e códigos de ética, o campo de ação é grande, complexo e exige uma atuação contínua. Por isso, é importante fortalecer iniciativas como essas e fomentar discussões sobre saúde mental. Tudo para que possamos conscientizar cada vez mais pessoas LGBT+ da importância desse autocuidado, principalmente com profissionais e instituições comprometidas em garantir um atendimento respeitoso e de qualidade.
*Carú de Paula Seabra é psicólogo e coordenador do projeto Acolhe LGBT+