Talvez a explicação para a representação universal dos bons sentimentos ser a imagem de um coração seja mais científica do que imaginávamos: um estudo finlandês acaba de concluir que atitudes tomadas para aplacar o sofrimento de alguém tendem a promover um melhor controle da pressão arterial e a reduzir a incidência da hipertensão.
Esses efeitos terapêuticos foram comprovados numa análise com cerca de 1 200 pessoas, acompanhadas desde 1980, e se mostraram independentes de outras características dos participantes, como idade, sexo, renda e comportamento. Sabemos que aspectos psicológicos, incluindo a ansiedade e a depressão, podem elevar a pressão arterial.
E, embora a recíproca seja verdadeira — otimistas costumam ter uma saúde melhor —, faltava saber qual traço de personalidade reverberava mais significativamente para termos artérias e coração mais saudáveis.
A pesquisa da Finlândia responde: é a compaixão disposicional, a abertura a ajudar os outros. É como se, ao fazer o bem, fizéssemos bem a nós mesmos. A compaixão de que fala o estudo é a “empatia com ação”: não basta se colocar no lugar do outro, é preciso se mover para apoiar o semelhante.
Nessa mobilização, nosso organismo é recompensado. Não se trata de um ganho pequeno. A OMS estima que a hipertensão cause até 12% de todas as mortes no mundo. Além disso, há evidências de que mesmo diminuições modestas na pressão arterial sistólica — o primeiro valor da medida — levem a uma redução substancial da ocorrência de infarto, acidente vascular cerebral (AVC) e insufciência cardíaca.
A prevalência da hipertensão é gritante no país, girando em torno de 45% da população adulta. É o principal fator de risco para ataques cardíacos e derrames e o segundo mais importante em termos de mortalidade precoce, como demonstra o estudo PURE (Prospective Urban Rural Epidemiology), que avalia, há 17 anos, o estado de saúde de 300 mil indivíduos em 21 países, entre eles o Brasil.
Se quisermos reverter o processo de adoecimento em massa, precisamos dar um passo atrás. Pois o problema não começa com alterações nos exames. Pode ter origem em vivências desarmoniosas, sentimentos não edificantes, falta de compaixão, gratidão e perdão…
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Isso prejudica o bem-estar psíquico e físico e desestimula as pessoas a se cuidar. Se somos o que pensamos e sentimos, perceberemos que a espiritualidade é indissociável dessa trama. E aqui a entendemos como um conjunto de valores morais e emocionais que norteiam pensamentos e comportamentos nas relações intra e interpessoais.
Uma das atitudes alimentadas pela espiritualidade é justamente a compaixão, que deveria ser condição sine qua non na rotina dos médicos. Um paciente é muito mais que um exame ou uma doença, de modo que a empatia com ação permite estabelecer diálogo, confiança e caminhos para o sucesso do tratamento.
A sensibilidade e o engajamento do profssional ao procurar ouvir, entender e agir para minimizar sofrimentos continuam sendo uma das ferramentas mais potentes da medicina.
*Álvaro Avezum é cardiologista, diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP) e assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)