Doenças raras: uma visão sherlockiana
28 de fevereiro é o Dia Mundial das Doenças Raras. Podemos aprender com o faro dos detetives a diagnosticar melhor essas condições

O diagnóstico de doenças raras lembra muito as investigações de Sherlock Holmes: pistas sutis, deduções lógicas e um olhar atento aos detalhes são essenciais para sua identificação.
Para aumentar a conscientização sobre o tema, o Dia Mundial das Doenças Raras é celebrado todo 28 de fevereiro desde 2008, já no ano bissexto é idealmente comemorado no dia 29 de fevereiro pela raridade dessa data.
O que são doenças raras?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como rara qualquer doença que afete até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes (ou 1 a cada 2 mil indivíduos). Mas, no conjunto, essas doenças atingem até 10% da população mundial.
Hoje, são conhecidas mais de 7 mil doenças raras segundo o banco de dados Orphanet, que podem ter origem genética, imunológica, infecciosa ou ambiental.
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Papel do reumatologista
Pacientes com doenças raras enfrentam uma verdadeira “odisseia diagnóstica”, ou seja, passam anos em busca de um diagnóstico correto. Estudos mostram que essa jornada pode levar cerca de 8 anos, atrasando o tratamento e piorando a qualidade de vida.
Como muitas doenças raras afetam o sistema imunológico e o aparelho locomotor, o reumatologista frequentemente acompanha esses casos.
Algumas delas incluem:
- Síndrome de Ehlers-Danlos e Síndrome de Marfan, condições que prejudicam a produção de colágeno.
- Vasculites, doenças que inflamam os vasos sanguíneos.
- Doenças autoinflamatórias, onde o corpo gera inflamação sem motivo claro, sem infecção ou trauma.
- Osteogênese imperfeita, onde os ossos ficam frágeis e múltiplas fraturas pode acontecer.
- Dermatomiosite e polimiosite, onde essas doenças autoimunes podem atacar os músculos dificultando a mastigação e a movimentação.
Por que é tão difícil diagnosticar?
Identificar uma doença rara exige uma investigação minuciosa do histórico do paciente, exames detalhados e a colaboração de várias especialidades médicas.
Na tentativa de combater essa demanda não atendida, houve a criação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras (PNAIPDR), que incluiu para determinadas enfermidades a possibilidade de sequenciamento genético no rol de procedimentos oferecidos pelo SUS.
No entanto, apesar de 70% das doenças raras serem consideradas genéticas, o acesso a esse exame ainda é muito restrito no território brasileiro, o custo é alto e infelizmente essas doenças acabam ficando como órfãs em seu seguimento.
Além disso, muitas dessas mazelas ainda estão sendo descobertas, o que significa que, mesmo em grandes centros médicos, alguns casos permanecem sem um nome específico. Mas isso não significa falta de tratamento.
O acompanhamento médico pode melhorar muito a qualidade de vida, mesmo sem um diagnóstico definitivo. Elementar, não é mesmo, meu caro Watson?
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Qual seria o tratamento?
Atualmente, há tratamentos inovadores e promissores para doenças raras, como terapia de reposição enzimática, oligonucleotídeos terapêuticos, anticorpos monoclonais, terapia gênica e terapia celular. No entanto, o acesso a essas opções ainda é um grande desafio, principalmente devido ao alto custo.
Além disso, a falta de estudos clínicos robustos faz com que muitas dessas doenças não tenham diretrizes bem estabelecidas. Isso também impacta a prescrição de medicamentos, já que muitas doenças não estão incluídas entre as indicações da bula do medicamento (off-label), dificultando sua autorização para uso.
Segundo a Organização Nacional para Doenças Raras (NORD), apenas 29% dos pacientes conseguiram acesso a tratamentos off-label aprovados pela FDA. Além disso, 61% enfrentaram negativas ou atrasos, tornando a jornada terapêutica ainda mais difícil.
O avanço da ciência tem trazido novas esperanças, mas ainda há um longo caminho para garantir que esses tratamentos cheguem a quem precisa.
Zebras entre os cavalos
Na medicina, aprendemos a “procurar cavalos” quando ouvimos um barulho de cascos – ou seja, pensar primeiro nas doenças mais comuns.
Mas, às vezes, o paciente traz uma “zebra”, algo raro e inesperado. Reconhecer suas listras exige montar o quebra-cabeça. Afinal, como diria Sherlock Holmes: “Quando eliminamos o impossível, o que resta, por mais improvável que pareça, deve ser a verdade”.
*Renan R. N. R. do Nascimento é médico reumatologista, atual membro da Comissão de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) e da Comissão de Doenças Autoinflamatórias e Imunodesregulação da SBR