Testosterona: quando dosar e quem realmente precisa dela
A promessa de uma “cura” instantânea para o cansaço ou queda de desempenho físico pode ser sedutora, mas não se engane

O uso de testosterona como tratamento está em alta nas redes sociais. Por meio de gurus da internet e influenciadores digitais, o hormônio alcançou status de elixir infalível para recuperar energia, potência sexual e força física, sem nenhum custo.
Se, por um lado, a reposição desse hormônio é essencial para pacientes com diagnóstico comprovado de hipogonadismo, o seu uso indiscriminado, sem base científica sólida, apresenta sérios riscos à saúde.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) inclusive já proibiu o uso de hormônios anabolizantes para fins estéticos, mas basta procurar 2 minutos na internet e vamos encontrar rapidamente vídeos ensinando a usar, a comprar no mercado paralelo e ainda professando uma pseudociência que, à semelhança do terraplanismo, arrebata milhões de adoradores.
Qualquer comentário científico por profissionais de saúde sérios em redes sociais é respondido com ofensas, acusados de serem “vendidos para indústria farmacêutica” e sugestões para “estudar mais”. Os haters não se atentam para a evidente contradição de seu pensamento, pois os gurus da bomba são avessos a estudos e muitas vezes são pagos pelos anabolizantes manipulados ou de origens escusas que indicam.
Precisamos encurtar a distância entre o que é realmente discutido nos congressos médicos sérios e o que povoa a internet. Então vamos aqui discutir quando realmente devemos dosar a testosterona e quando devemos considerar repô-la.
O que é hipogonadismo?
O hipogonadismo é uma condição em que o organismo não produz quantidades adequadas de hormônios sexuais, no caso do homem, de testosterona, seja por problemas nos testículos (hipogonadismo primário ou hipergonadotrófico) ou no eixo hormonal da hipófise no cérebro (hipogonadismo secundário ou hipogonadotrófico).
Diferente do que se pensa, no sexo feminino o hipogonadismo não tem nada a ver com testosterona, e sim com o estradiol, principalmente. Na mulher, os sintomas são mais notados na ausência de ciclo menstrual (amenorreia), em sintomas que lembram os da menopausa (fogachos), ou ainda em puberdade atrasada.
Já a deficiência de testosterona nos homens gera redução da libido, disfunção erétil, perda de massa muscular, fadiga crônica e osteoporose. O problema todo é que esses sintomas são em parte subjetivos. Afinal, nos dias de hoje, quem não está cansado? A avaliação deve ser criteriosa, baseada em exames laboratoriais consistentes e na correlação com o quadro clínico.
Como e quando dosar a testosterona
As diretrizes da Endocrine Society recomendam que a dosagem da testosterona total seja realizada pela manhã, idealmente em duas ocasiões diferentes, antes de concluir que há falta de testosterona.
Estudos mostram que resultados “falsamente baixos” podem ocorrer em até 30% das medições. A principal causa desses exames que enganam é a síndrome metabólica e/ou obesidade, que fazem reduzir a proteína que carrega o hormônio no sangue (SHBG), o que, por sua vez, diminui o estoque da substância, mas em geral não a testosterona biodisponível ou livre, que é a que age sobre as células do corpo.
Além disso, o uso de certos medicamentos, a presença de algumas doenças transitórias ou mesmo variações individuais podem influenciar. Embora seja tentador pensar que uma pessoa com testosterona de 500 ng/dL viva melhor que uma com 300 ng/dL, os hormônios não são assim tão simples.
Em particular, a testosterona age sobre um receptor que pode ser mais ou menos ativo. Traduzindo em miúdos, talvez algumas pessoas tenham esse 300 ng/dL e um receptor super potente, e o resultado final seja idêntico ao do seu amigo com 500 ng/dL e um receptor menos potente.
A resultante pode ser igual, mas óbvio que a análise cartesiana e baseada nos números de testosterona beneficia quem quer empurrar manipulados com hormônios.
+Leia também: Do ganho muscular ao desejo sexual: o que é e como age a testosterona
Quem deve repor testosterona?
Não existe tratamento milagroso sem riscos. A reposição só é indicada para homens com diagnóstico confirmado de hipogonadismo — ou seja, sintomas claros de deficiência hormonal e níveis comprovadamente baixos, repetidamente.
Vale dizer que não basta só dar testosterona: você deve saber a causa do hipogonadismo, ainda que seja idiopática. Dependendo da causa, pode haver outras repercussões, como infertilidade ou outros déficits hormonais.
É fato que quem tem indicação de reposição vai melhorar a função sexual, a densidade óssea e a massa muscular. Alguma dúvida ainda existe para idosos com níveis apenas levemente reduzidos, pois o estudo Testosterone Trials mostrou alguma melhora em densidade óssea e anemia, mas levantou preocupações sobre riscos cardiovasculares.
Os riscos do uso indiscriminado
A demanda crescente por testosterona como “combustível” para a juventude eterna ou atalho para ganho muscular ignora os perigos envolvidos. Não vamos mentir, viver com 2000 ng/dL por um tempo pode te fazer sentir um superhomem ou supermulher. O problema é que a conta chega.
O uso indiscriminado pode aumentar o risco de infertilidade (por suprimir a produção natural de espermatozoides), agravar a apneia do sono, elevar a chance de tromboses e até eventos cardiovasculares, como mostra uma análise publicada no JAMA este ano, que mostrou, em curto período de tempo, de 12 anos, um aumento de 2,8 vezes no risco de morte e doenças cardiovasculares.
Uma revisão rápida nas notícias dá conta que só em 2024 uma dezena de bodybuilders perdeu a vida devido ao uso de anabolizantes.
Isso sem contar os que não saem nas notícias. Afinal, a comunidade dos usuários de anabolizantes desenvolve uma atitude de negação pretensamente científica no assunto. Para eles, o fulano não perdeu a vida pelos anabolizantes, mas porque a alimentação era ruim, ou porque não fez o ritual correto na fase certa da lua.
+Leia também: Epidemia de hormônios anabolizantes: quais os riscos?
E as mulheres?
Para mulheres, a reposição de testosterona é ainda mais raramente indicada. A Endocrine Society recomenda considerar essa terapia somente em casos específicos de deficiência severa, como na insuficiência ovariana prematura ou em mulheres sem ovários, com sintomas de deficiência de testosterona.
Há ainda indicação em mulheres que estejam na menopausa e tenham diagnóstico de distúrbio do desejo sexual hipoativo. Esse diagnóstico é feito pelo psiquiatra e não pode ser causado por exemplo, por uma depressão não diagnosticada (que é muito mais comum na menopausa do que sintomas associados à testosterona).
Todo esse cuidado vem do fato de que os exames laboratoriais da testosterona não funcionam bem nas mulheres. Eles podem vir baixos em pessoas sem sintomas, ou normais em pessoas com sintomas. Mais que isso: o benefício do uso em doses adequadas (muito menores que nos homens) é muito pequeno, mesmo sobre a libido.
No entanto, costumo atender no consultório uma quantidade grande de mulheres usando hormônios e que estão com a testosterona mais alta que a minha. Por óbvio, isso passa a ser anabolizante. Além de todos os riscos que temos no sexo masculino, a mulher pode ter ainda queda de cabelo, acne, aumento do clitóris, engrossamento da voz, esta irreversível.
Conclusão
A promessa de uma “cura” instantânea para o cansaço ou queda de desempenho físico pode ser sedutora, mas não se engane: a testosterona não é um remédio milagroso para o envelhecimento ou o desânimo. Se muito, aumenta o envelhecimento. Talvez não por fora, mas certamente por dentro, nas artérias, no coração, no fígado, nos rins.
Ao mesmo tempo, as pessoas que vivem com hipogonadismo se beneficiam da dosagem e reposição do hormônio, e sua qualidade de vida melhora muito. De certa forma, o hipogonadismo é menosprezado dos dois lados — quando pessoas sem indicação fazem uso de hormônios e quando as que têm indicação não fazem diagnóstico.
Busque sempre um endocrinologista de confiança e pesquise no site do conselho de medicina se o profissional realmente tem e registrou a especialidade que alega ter. Afinal, informação de qualidade, bom senso e avaliação criteriosa são os melhores aliados para manter o equilíbrio hormonal e a saúde a longo prazo.
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