Neuromielite óptica: do baque do diagnóstico à esperança que nos move
Em estreia de coluna, mulher reflete sobre os desafios do dia a dia ao conviver com doença rara
Quando se recebe um diagnóstico de uma doença rara, a vida ganha novos contornos. Surge uma sensação de incerteza, como se o futuro agora estivesse coberto por uma névoa densa e opaca.
Afinal, lidar com uma condição que afeta um número extremamente limitado de pessoas pode ser uma jornada desafiadora e solitária. É natural sentir-se desorientado, confuso e com medo do desconhecido.
E já adianto: esse texto termina com um tom de esperança, mas, antes disso, eu preciso fazer uma descrição realista e sincera.
Eu tenho o diagnóstico de neuromielite óptica (também chamada de NMO ou Doença de Devic), uma patologia rara, degenerativa, neurológica, autoimune, inflamatória e grave. Ela afeta o sistema nervoso central e pode causar cegueira total, tetraplegia e disfunções de alguns órgãos importantes.
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É complicado conviver com uma condição que se manifesta em forma de crises isoladas e sem aviso, os chamados ‘surtos’.
É como se o tempo inteiro eu estivesse com uma seta apontada para minha cabeça que orienta a ação do acaso. E, quando vem, o acaso desorganiza tudo e pode deixar mais sequelas incapacitantes e permanentes.
Em 2018, tive um quarto surto da NMO, que me deixou com sequelas visuais irreversíveis em ambos os olhos. O grande desafio em perder um dos sentidos é a readaptação a um mundo que já conhecíamos, mas que, agora, deve ser percebido de formas diferentes.
Desafiador, confuso, desorientador, amedrontador, estranho… Essas são algumas das palavras que uso para descrever a saga que vivemos desde o primeiro sintoma da NMO até fecharmos o diagnóstico. Sim, uma saga!
No meu caso, só após dois anos do aparecimento dos primeiros sintomas é que o diagnóstico foi fechado.
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Até então, muitas especialidades foram consultadas, muitos exames feitos (dos mais baratos aos mais complexos e caros) e houve muito desgaste financeiro e emocional. Até que finalmente entendi o que estava acontecendo com o meu corpo.
Foi a partir daí que consegui recuperar a força e o movimento das pernas, o equilíbrio do corpo e o controle dos esfíncteres, já alcançados na primeira internação.
Mas o tratamento pode cobrar seu preço: meu corpo mudou em consequência dos efeitos colaterais dos medicamentos.
A vida profissional estagnou e a financeira sofreu um baque. Até pouco tempo, a sensação que eu tinha sobre minha própria realidade após a NMO era de frustração.
Esse sentimento só piorava ao me deparar com as dificuldades relacionadas ao cuidado da NMO no Brasil: os medicamentos receitados não são específicos para a patologia, o tratamento é de difícil acesso para muitos e faltam políticas públicas.
Benefícios básicos só são conseguidos pela maioria através de processos judiciais, que podem demorar anos.
Mas, enquanto escrevo este texto, posso dizer que estou mais esperançosa. Mobilizações importantes estão sendo feitas para assegurar um diagnóstico mais rápido e tratamentos adequados e mais eficazes.
Pela primeira vez, há remédios aprovados no nosso país específicos para a NMO.
Quanto a mim, atualmente coloco novos significados ao que é a vida e luto para que outras pessoas não precisem passar pelo que eu e tantos passamos.
Sigo unindo pessoas pela causa da NMO nos quatro cantos do país, com um trabalho de formiguinha.
Como presidente da Associação Brasileira de Neuromielite Óptica, convido você a acompanhar o Março Verde, uma campanha que trará muita informação de qualidade sobre a NMO e que foi feita em parceria com associações como a Crônicos do Dia a Dia (CDD).
A jornada pode ser longa e sinuosa, mas é importante lembrar que, quando lidamos com uma patologia ainda sem cura, precisamos entender que ela é uma das características que temos e que precisam de atenção.
Mas não toda a nossa atenção! A vida por si só pede movimento e mudanças. Busco sempre encontrar formas de fazer a minha vida melhorar e reforço o autocuidado.
Saúde não é a ausência de diagnósticos, mas, sim, qualidade de vida e bem-estar.
Eu busco conviver da melhor forma com o meu corpo e a minha mente. A jornada em si, com todas as suas reviravoltas, tropeços e recomeços, pode ser uma fonte de crescimento e aprendizado.
Tenho aprendido muito após a chegada da NMO e sei que continuarei aprendendo bastante, fazendo-me e refazendo-me…
Sigamos em paz com nossos diagnósticos e nos cuidemos durante todo o caminhar!
*Cleide Lima é jornalista, gestora de projetos, palestrante e treinadora comportamental com foco em novos projetos e refazimentos. Também é fundadora e presidente da Associação Brasileira de Neuromielite Óptica (ABNMO). Este texto foi feito a pedido da Associação Crônicos do Dia a Dia (CDD).