Três em cada quatro mulheres já desistiram de algum sonho
Ainda assim, a grande maioria não desiste de traçar planos para o futuro, como viajar e estabelecer-se profissionalmente, revela pesquisa

O Dia Internacional da Mulher é uma data para honrarmos a luta por igualdade de gênero, batalharmos por nossos direitos e cultivarmos um futuro melhor para as próximas gerações. Pensando nisso, a organização Think Olga divulgou, na véspera dessa data, os resultados de uma pesquisa que revelou os sonhos e objetivos de diferentes gerações de brasileiras.
O estudo faz parte do projeto Sonhe Como Uma Garota, encabeçado pela produtora cultural Camila Alves da Silva. A iniciativa também conta com uma exposição sobre o tema na Biblioteca Parque Villa-Lobos, na zona oeste de São Paulo, até o dia 30 de março.
A instituição consultou 1.080 mulheres de todas as regiões do país e classes sociais, que responderam a um questionário em janeiro sobre quais eram seus sonhos na infância e o que querem no presente e para o futuro.
O estudo mostra que sonhos “tradicionais” e que reforçam os papeis de gênero estão perdendo espaço no imaginário feminino, sendo substituídos pela estabilidade e crescimento pessoal, fortalecendo a autonomia das mulheres e a concretização dos seus sonhos.
Com o que as mulheres sonham
A pesquisa ouviu mulheres de diferentes regiões do país e classes sociais. Elas foram divididas em três faixas etárias: de 18 a 29 anos, de 30 a 49 anos e com 50 ou mais.
Um dos principais objetivos foi avaliar como as prioridade e sonhos femininos foram mudando com o passar das décadas.
Na geração das avós, os principais sonhos eram: casar-se ou formar uma família (45%), apoiar ou cuidar da família (39%), comprar uma casa própria (20%), deixar um legado para as futuras gerações (17%) e concluir e continuar os estudos (16%).
Já entre as mães, o equilíbrio entre realizações domésticas e ambições profissionais passou a prevalecer. Constituir uma família foi tão importante quanto concluir os estudos (ambos com 34%). O apoio familiar (31%), a casa própria (30%) e a estabilidade financeira (29%) completam o top 5 dos sonhos dessa geração.
As mais jovens estão focadas no sucesso profissional. Elas querem construir uma carreira sólida (62%), alcançar autonomia financeira (55%), ter estabilidade financeira (50%), garantir saúde física e bem-estar mental (49%) e concluir os estudos (49%).
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“A idealização do amor romântico vai diminuindo de geração em geração e, hoje, ter uma família não é mais sinônimo de ter filhos. As novas gerações estão descobrindo novas formas de fortalecer laços e construir relações”, avalia Maíra Liguori, jornalista e diretora da Think Olga.
Além disso, as mulheres percebem que tem mais liberdade do que as gerações que as antecederam. Entre as respondentes, 88% afirmam que puderam sonhar mais do que suas mães e avós, pois tiveram menos limitações.
E mais: 65% consideram seus sonhos mais ambiciosos do que os de suas matriarcas. “Há uma percepção de avanço na possibilidade de sonhar e elas desejam que haja mais autonomia ainda para as mulheres que virão”, conclui Camila da Silva, idealizadora do projeto Sonhe Como Uma Garota.
Sonho em comum
Há um sonho, porém, que une todas as tribos: viajar. Conhecer o mundo é um objetivo partilhado por mulheres de todas as idades e em todos os momentos da vida (na infância, na juventude e atualmente).
“Viajar nos dá liberdade para nos expressar de outras formas, exercitar outras versões de nós mesmas. Quando nos deslocamos, não somos contidas pelas demandas do dia a dia”, reflete a diretora do Think Olga.
Sonhar é preciso
Ao serem perguntadas sobre seus planos e desejos para o futuro, 70% concordaram que sonhar era mais fácil na infância. “Conforme crescemos, somos confrontadas pelos obstáculos da vida e os sonhos vão se transformando para se tornarem objetivos mais fáceis de serem realizados”, analisa Liguori.
Seguir com seus sonhos não é tarefa fácil. Três a cada quatro respondentes afirmam que já desistiram de algum sonho. Em sete a cada 10 casos, isso acontece por falta de dinheiro.
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Outro obstáculo é a discriminação, motivo elencado por 46% delas. O machismo e a desigualdade de classes sociais foram as principais formas de preconceito mencionadas no estudo, mas o racismo também tem grande impacto.
Metade das mulheres com baixa renda (classes D e E) relatam que diferentes formas de preconceito afetam negativamente o alcance de seus objetivos, enquanto apenas 37% das de classe alta dizem o mesmo.
Ao analisar raça, a diferença entre os grupos foi menor, mas, ainda assim, 50,4% das mulheres negras sentem que a discriminação as impede de concretizar seus sonhos, enquanto 45% das brancas concordam com a afirmação.
Mesmo assim, a grande maioria das mulheres brasileiras não desistiram de sonhar. “O movimento de se manter sonhando faz com que a gente siga viva, é um exercício de fé na vida e em nós mesmas”, analisa Liguori.
Entre as que não conseguem mais traçar planos para o futuro, a maior parte tem baixa renda. Entre mulheres das classes A e B, 0,6% dizem não ter sonhos; na classe C, 2%; e, nas classes D e E, 4,7%.
Tais resultados nos remetem às palavras da escritora norte-americana Susan Sontag: “Sonho, logo existo”.