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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Por que o xadrez faz tão bem ao cérebro

Jogadores e médicos compartilham vivências e vantagens de praticar o mais intelectual dos esportes — um remédio para o raciocínio e contra a solidão

Por André Bernardo
14 dez 2022, 16h08
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  • Jogar xadrez com Henrique Costa Mecking, o Mequinho, é como bater bola com Arthur Antunes Coimbra, o Zico, ou qualquer outro craque do futebol.

    Precoce, Mequinho começou a jogar aos 7 anos, tornou-se campeão brasileiro aos 13 e conquistou o título de grande mestre aos 20. Nascido em Santa Cruz do Sul, a 155 km de Porto Alegre, o gaúcho alcançou sua melhor pontuação em 1977, quando chegou ao terceiro lugar no ranking da Federação Internacional de Xadrez (FIDE, na sigla em inglês).

    À sua frente, só dois russos: Anatoly Karpov, de 71 anos, e Victor Korchnoi (1931-2016). “No xadrez clássico, ou seja, em partidas acima dos 60 minutos para cada jogador, estou em quarto lugar no rating brasileiro. No rápido, entre 10 e 60 minutos, em primeiro e, no relâmpago (blitz), entre 3 e 10 minutos, em segundo”, lista o enxadrista de 70 anos.

    Ídolo do esporte nacional comparável a Pelé e a Fittipaldi, Mequinho desfilou em carro aberto, lotou o Estádio do Maracanã, participou do programa do Chacrinha — um dos de maior audiência na época — e foi citado como “grande trunfo do xadrez” na música de Raul Seixas Super-heróis, de 1974.

    No auge da carreira, porém, foi diagnosticado com miastenia grave, uma doença autoimune que provoca, entre outros sintomas, fraqueza muscular. Não tinha forças sequer para mastigar os alimentos ou escovar os dentes. Desenganado pelos médicos — um deles chegou a dizer que só tinha 15 dias de vida —, Mequinho se aposentou em 1978, aos 26 anos. Mas, “99% curado”, voltou aos tabuleiros em 1995.

    Em junho de 2022, Mequinho participou de uma partida simultânea no 17° Congresso da Sociedade de Neurocirurgia do Rio de Janeiro (SNCRJ). Como o nome já diz, simultânea é quando um único jogador, geralmente de altíssimo nível, desafia vários oponentes ao mesmo tempo.

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    Em vez de jogar uma partida depois da outra, vai de tabuleiro em tabuleiro, executando um lance de cada vez. No Rio, Mequinho desafiou 17 enxadristas da área médica: 15 neurocirurgiões, um anestesiologista e um estudante de medicina.

    A simultânea durou três horas. Por fim, quem levou a melhor, como já era de esperar, foi Mequinho. “O nível dos participantes era muito bom. Até pensei que seria mais fácil ganhar. Joguei com todo cuidado e atenção. Graças a Deus, não cometi nenhum erro grave”, diz o enxadrista.

    A última vez, aliás, que Mequinho perdeu uma simultânea foi em 1976. “Há anos, fui obrigado a jogar uma simultânea com 40 jogadores. Era muito cansativo! Hoje só aceito jogar com até 20”, avisa. Só 20!

    + LEIA TAMBÉM: Por que somos o povo mais ansioso do mundo?

    Entre a torre e o bisturi

    O neurocirurgião que resistiu por mais tempo ao talento de Mequinho foi Ronald Farias: duas horas e meia. “A partida estava equilibrada até por volta do trigésimo lance. Mas, no final, Mequinho mostrou toda sua força e me venceu. Abandonei a partida no lance 60”, conta o médico. “Fiquei surpreso com meu desempenho. Achei que seria derrotado mais facilmente”, avalia.

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    Farias começou a jogar aos 15 anos com colegas de turma do ensino médio. Quando chegou à faculdade, parou de jogar. Mas voltou durante a pandemia. “Não tive preparo psicológico para enfrentar um grande enxadrista. Felizmente, Mequinho prometeu aceitar uma revanche. Agora, é só marcar a data”.

    Felippe Figueiredo é outro neurocirurgião que não economiza elogios ao falar de Mequinho. “Ele é de outro mundo! Mesmo aos 70 anos, continua jogando em altíssimo nível”, derrama-se o oponente vencido.

    A certa altura, Figueiredo chegou a acreditar que conseguiria “beliscar” um empate. “Doce ilusão”, admite. “Com um simples movimento com o cavalo, Mequinho acabou com as minhas pretensões”, lamenta o médico, que começou a jogar xadrez no celular como forma de “passar o tempo entre uma cirurgia e outra”.

    Mequinho disputando partida simultânea em congresso de neurocirurgia no Rio de Janeiro.
    Mequinho disputando partida simultânea em congresso de neurocirurgia no Rio de Janeiro. (Foto: Paulo Mumia/Divulgação)
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    Jogada cerebral

    Se o xadrez fosse um “remédio”, Farias e Figueiredo não hesitariam em prescrevê-lo para os seus pacientes. “Não diria que o xadrez ajuda a prevenir Alzheimer, mas serve para turbinar os neurônios remanescentes”, explica Farias.

    “Com o moderno conceito de neuroplasticidade, em que o cérebro está em constante aprendizado, jogar xadrez significa exercitá-lo. Uma espécie de fisioterapia para memória, raciocínio e concentração”, compara o neurocirurgião.

    Figueiredo observa que toda atividade que oferece desafio intelectual é vantajosa ao cérebro. “O xadrez produz benefícios cognitivos inquestionáveis. Não é exagero afirmar que a prática regular, mesmo em idades avançadas, influencia positivamente a saúde mental”, destaca.

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    Mas e o Mequinho, o que pensa disso? Sim, jogar xadrez faz muito bem à saúde, concorda o grande mestre.

    E não só pelo aspecto cognitivo, mas pelo emocional também. “O xadrez é um esporte maravilhoso. São muitos os benefícios. Se tivesse que apontar apenas um deles, diria: ajuda a fazer amigos”, revela o enxadrista.

    Pois é: de jogada em jogada, tem até xeque-mate na solidão.

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