Nos consultórios pediátricos, a queixa é clássica: “Meu filho não come, doutor”. E as maiores vítimas de rejeição, relatam os pais, são verduras, legumes e frutas. Mas de onde vem a história de que a molecada não gosta desse grupo de alimentos? “A dificuldade de aceitação de vegetais é notória, mas, por outro lado, a oferta também é limitada”, afirma Gabriela Kapim, nutricionista e apresentadora do programa Meu Filho Come Mal, do canal GNT. “No menu infantil dos restaurantes, por exemplo, só costumamos encontrar a batata, seja frita ou no purê”, completa.
Em casa, a situação não é muito melhor. “Há pais que encaram o consumo de itens saudáveis e até mesmo a refeição apenas como obrigatoriedades”, conta Ana Paula Del Arco, nutricionista da Capitão Pão Consultoria, em São Paulo. Mas e o prazer? Ora, se a salada é apresentada sem capricho ou composta dos mesmos itens todo dia, sobe o risco de a meninada desenvolver, com o tempo, uma antipatia pela porção colorida (e vitaminada) do prato. E isso também vale para arroz, frango, macarrão e por aí vai.
Quer ver a história piorar? Boa parte das crianças dá suas garfadas de maneira automática, geralmente em frente à televisão. Dessa forma, não estabelece vínculo algum com os alimentos. Mas como estimular o interesse pela comida de verdade desde o início da vida e, assim, diminuir o abismo entre o apetite da garotada e os brócolis? Uma das principais apostas para aproximar as duas pontas é convidar meninos e meninas a desvendarem o mundo mágico da gastronomia. E não como meros espectadores.
“Quanto maior o envolvimento no preparo das refeições, mais fácil é educar sobre alimentação. Até porque a participação da criança nesse processo aumenta a chance de ela experimentar o resultado final”, justifica Antonia Demas, antropóloga, nutricionista e professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. A especialista também é presidente do Food Studies Institute, que há 45 anos aplica um currículo especial para introduzir a culinária no dia a dia de jovens estudantes. “Posso observar na prática o efeito positivo que essa inclusão tem no entusiasmo das crianças por ingredientes que favorecem a saúde”, destaca.
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Não faltam estudos que atestam a eficácia da tática. Um deles, publicado recentemente pela Universidade de Montford, na Inglaterra, revela que pré-escolares que manuseiam vegetais têm menos medo de provar combinações inusitadas. Em 2012, cientistas da Universidade de Alberta, no Canadá, avaliaram a relação de 151 moleques com a comida e concluíram: aqueles que auxiliavam na cozinha eram justamente os que mais curtiam verduras, legumes e frutas. Para ter ideia, o interesse por esses itens era 10% maior entre os pequenos que vestiam o avental.
Em um trabalho da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, famílias habituadas a jantar fora receberam aulas de culinária por dez semanas. Após esse período, os voluntários não só passaram a aproveitar mais as refeições no lar como também reduziram a ingestão diária de colesterol. Os autores da experiência enxergam nessa interação um dos caminhos para afastar a obesidade e os problemas atrelados a ela. “A dieta está por trás de doenças como diabete tipo 2 e hipertensão. Se a criança começa a gostar de alimentos que previnem esses males, há um impacto significativo em sua qualidade de vida no futuro”, argumenta Antonia.
Um dos segredos para fazer maçãs, peixes, feijões e afins virarem parte da infância (e do resto da vida) é mostrar a vasta diversidade de sabores e texturas de cada alimento assim que acabar a fase das papinhas – ou seja, normalmente após o primeiro aniversário. É que os bebês estão mais abertos às novidades. “O paladar é desenvolvido principalmente até os 2 anos de idade. Tudo o que for apresentado nesse período colabora na sua construção”, enfatiza Ana Paula. Passada essa etapa, fica um pouco mais difícil aceitar novas experiências.
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“Assim que surge a curiosidade sobre o que se está comendo, deve-se introduzir a culinária”, orienta Antonia. As tarefas evoluem com o crescimento do pimpolho e seguem algumas regras para evitar acidentes. Tudo precisa ser feito sem cobranças e de forma lúdica para reforçar que há, sim, prazer em arregaçar as mangas. Até pequenas colaborações, como pegar um produto no armário ou na geladeira, fazem a molecada se sentir incluída e, aos poucos, ganhar intimidade com a cozinha. Dar autonomia na escolha do conteúdo da lancheira e na montagem do prato à mesa também instiga o interesse por uma alimentação mais equilibrada.
Se o tempo em casa é curto, breves momentos de contato com os bastidores da refeição já fazem diferença. “Na hora do lanche, em vez de só dar a fruta picada, mostre sua textura, conte sobre sua origem e explique por que comê-la é uma boa ideia”, orienta Ana Paula. Na verdade, os ensinamentos são bem-vindos sempre. Vale explicar que o ovo do almoço é importante para o crescimento, que a cenoura do jantar faz bem para os olhos… Em um enredo ideal, cada ingrediente e etapa vêm acompanhados de uma saborosa narrativa. Mesmo se a receita der errado, há uma lição poderosa no final da história: lidar com as expectativas. “O bolo talvez não fique igual ao da foto, mas tudo bem, porque ainda assim cria-se uma atmosfera de cumplicidade e descoberta”, tranquiliza a nutricionista Gabriela Kapim.
Comendo o pão que a criança amassou
Bruna Lopes Cézar é testemunha das maravilhas de despertar um mestre-cuca mirim. “Foi meu filho que colocou a alimentação balanceada no nosso cotidiano”, declara a recepcionista de 27 anos que mora em Brotas, no interior de São Paulo. Pedro Henrique, de 7 anos (o chef em questão), não só adora saladas e vitaminas como prepara seus próprios banquetes. “Esses dias, ele fez um suco de couve que eu achava que não daria certo. Mas, no final, ficou bom”, confessa a mãe, orgulhosa por aprender junto com a cria – que, aliás, tem uma saúde de ferro.
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Nutrir o corpo é só uma das vantagens de frequentar a cozinha. O pequeno chef exercita a paciência, porque precisa esperar algo ficar pronto, e pratica matemática ao calcular as medidas dos ingredientes. Ele também se aproxima das aulas de ciências, já que aprende, por exemplo, como o calor vindo do fogo transforma elementos soltos em um prato bonito e gostoso. “Conforme a idade aumenta, a culinária contribui ainda para afirmar sua individualidade”, diz Anne Fishel, psicóloga da americana Universidade Harvard. Sem contar o senso de cooperação e compartilhamento embutidos na prática.
A convivência em família também ganha um tempero especial. “Cozinhar é uma atividade divertida e criativa, além de ser um dos raros momentos em que filhos e pais podem se dedicar juntos a algo”, destaca Anne. Que o digam Myriam Anselmo, paulistana de 32 anos, e seu filho Thomas, de 12. Desde novinho o menino é um parceirão no preparo das refeições. “Eu gosto de ajudar e também crio minhas receitas. Já fiz um bolo de milho sozinho e inventei um doce de banana para comer com outras frutas”, gaba-se o garoto. São ingredientes que, em outro cenário, talvez a mãe de Thomas sofresse um bocado para lhe apresentar.
O início da aventura
Os especialistas são unânimes: a participação infantil se estende inclusive às idas ao supermercado. Para a nutricionista Antonia Demas, esse momento não precisa ser estressante. É só transformar as compras em uma brincadeira. Vale eleger cores da vez e procurar os ingredientes necessários para receitas especiais — como um prato roxo. Não dá para fazer isso sempre, claro. Mas o processo anima e abre caminho para o preparo em casa.
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