O novo hype do pilates — e por que ele está tão em alta
O método centenário ganha contornos modernos para angariar novos públicos. Entenda o que mudou na evolução da modalidade
Não tinha como não notar: na lateral da passarela por onde andavam as modelos havia um reformer.
Um não, vários.
Durante o desfile da designer Clara Colette Miramon, na última Semana de Moda de Berlim, em julho deste ano, diversas mulheres estavam em pé se movimentando nesse clássico aparelho de pilates, que se assemelha a uma maca combinada a um carrinho deslizante.
Os gestos fluidos e precisos das modelos representavam, na narrativa do evento, equilíbrio, bem-estar e adaptação. E essa não foi uma exaltação isolada do mundo fashion ao reformer, ou melhor, ao pilates.
Celebridades como Hailey Bieber, Lindsay Lohan, Miley Cyrus e Megan Markle também são adeptas da prática, e um vídeo do cantor Ed Sheeran fazendo uma aula intensa viralizou nas redes sociais.
Para além dele, atletas como Cristiano Ronaldo, David Beckham e LeBron James também foram clicados em sessões no aparelho.
Ou seja: o pilates nunca esteve tão na moda.
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O fato é que, muito além das estrelas, o pilates moderno, bastante centrado na figura do reformer, tem se popularizado pelo planeta.
A modalidade ajuda a movimentar, segundo a consultoria WGSN, um mercado de expressivos 40 bilhões de dólares pelo globo. Nessa onda, milhares de estúdios são abertos ano a ano, e o Brasil, claro, não fica de fora.
De onde vem o hype?
“Antes se achava que ele era um exercício de baixo impacto para pessoas de meia-idade ou idosas, alguém que queria se manter ativo mas tinha limitações ou foi encaminhado pelo médico”, conta a fisioterapeuta Anny Oliveira, instrutora de Teresina, no Piauí.
“Agora, com as redes sociais e o advento do pilates contemporâneo, vemos mulheres e homens de todas as idades buscando o método para definição muscular, equilíbrio, postura, estética e melhora da performance esportiva”, nota.
Sim, estamos diante de uma verdadeira transformação, insuflada pelas sessões intensas em cima do reformer. “A modalidade casou perfeitamente com a estética e o estilo de vida que se prega hoje”, crava a educadora física Ana Mariana Silva, fundadora da Aura Pilates, rede de estúdios-boutiques paulistana com quase 20 anos.
“Ela tem movimentos plásticos, o que os jovens chamam de instagramáveis. Por mais que a aula seja pesada, você não termina acabado e descabelado. Dá para sair com estilo e ir tomar um café ou ir à faculdade”, diz.
E, mesmo com o apelo aos mais jovens, o método não perdeu seus fãs de longa data. O que ninguém nega é que o pilates, definitivamente, não é mais o mesmo.
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Origens e benefícios do método clássico
Joseph Pilates (1883-1967), o alemão criador do método que hoje leva seu nome, era um amante do movimento.
Nascido no final do século 19, ele sofreu na infância com problemas como asma, raquitismo e febre reumática, e entendeu que só condicionamento e força física o salvariam das limitações.
Filho de pai ginasta, Pilates virou boxeador, artista de circo e professor de autodefesa. Ainda era fascinado por ioga, dança e um ideal de equilíbrio completo entre corpo, mente e espírito.
Para o inventor, o estilo de vida sedentário promovido pela industrialização, a má postura e a respiração inadequada estavam adoecendo a sociedade.
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Durante a Primeira Guerra Mundial, o alemão que morava na Inglaterra foi exilado em uma ilha por causa de sua origem, e acabou ajudando pessoas debilitadas pelas batalhas.
Lá, pegou molas das camas e desenvolveu formas de restaurar os movimentos dos pacientes utilizando a resistência, antes mesmo de eles poderem se levantar. Nascia uma espécie de protótipo do hoje tão popular reformer, um de seus primeiros aparelhos.
Ao todo, mais de 26 foram patenteados pelo inventor, e, em 1945, já morando em Nova York, Pilates compilou seu método no livro Retorno à Vida pela Contrologia — nome que remetia à promoção da saúde por meio do controle do corpo e da mente.
“Pilates já alegava que o sedentarismo deixava as pessoas encurtadas e curvadas. Então a primeira coisa a ser feita é soltar esse encurtamento, ganhar flexibilidade e fortalecer a musculatura”, diz Odilon Roble, diretor da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Pois é, suas ideias estão mais atuais do que nunca, basta ver o impacto da inatividade na saúde global. “É comum vermos pessoas com problema de coluna ou dor nas costas trabalhando apenas a força nos membros isoladamente, mas, enquanto não houver o fortalecimento do core, a musculatura central que dá sustentação ao corpo, ele nunca estará 100% equilibrado”, completa o professor.
Aí que está: poucas abordagens miram tanto o tal do core como o pilates.
“A maioria das pessoas acha que ele se resume à parte da frente do abdômen, onde fica o tanquinho, mas vai muito além, e o pilates trabalha toda essa camada muscular profunda, que circunda o tórax e dá estabilidade à coluna e aos órgãos internos”, detalha a educadora física Erica Takigahira, diretora técnica do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP).
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Nesse contexto, outra base do pilates clássico é promover a circulação sanguínea por meio do movimento. Mas o rol de atributos vai além.
“Consciência corporal, flexibilidade, coordenação, equilíbrio, tonificação, tudo isso é trabalhado através de gestos que convergem com a respiração, a concentração, a precisão e a fluidez”, resume Anny Oliveira.
Atualmente, o pilates é classificado como um exercício mente-corpo, a exemplo de ioga e tai chi.
E, na esteira do sucesso, o interesse científico pela prática também cresceu na última década. Uma série de estudos hoje demonstra que a modalidade é bem-vinda a quem sofre com dores crônicas (principalmente nas costas), melhora a mobilidade e o equilíbrio e atenua limitações associadas ao envelhecimento.
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Por aprimorar a consciência sobre o próprio corpo, o método se enquadra em qualquer faixa etária e tem sido adotado por atletas para turbinar sua performance.
Para angariar esses benefícios, no entanto, é preciso entender que o pilates é um processo. Que não é rápido!
“Nenhum profissional sério vai garantir resultados antes de seis meses. É preciso tempo para ver mudanças e as coisas acontecerem no seu corpo”, afirma Roble.
O professor da Unicamp explica que existe uma progressão dentro do método, e a evolução vai levando o aluno a trabalhar valências diversas em diferentes aparelhos, sempre com precisão e cuidado.
Hoje, a maioria dos estúdios de pilates clássico atua com o esquema de um professor a cada três ou quatro alunos, que ficam cada um em um aparelho, fazendo um treino personalizado para o seu nível e sendo monitorados e corrigidos em tempo real.
Mas as variações do pilates fitness que estão na moda não são exatamente assim.
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O novo pilates
As aulas de reformer são coletivas, e todos os alunos seguem os mesmos movimentos. Os exercícios são intensos, rápidos e requerem bastante força dos membros. Além disso, luzes de LED e música alta compõem o cenário — a exemplo das aulas de spinning.
Sim, a proposta é mais dinâmica, mas já não pega alguns públicos e tem objetivos distintos do método original. O fenômeno das aulas coletivas de pilates já era um hit lá fora.
E mesmo quem é adepto do método clássico se rendeu à novidade no Brasil. A professora Ana Mariana Silva, apesar de já ter dois estúdios consolidados na capital paulista, resolveu abrir um terceiro focado em sessões dinâmicas no reformer para atrair novos públicos.
“Para mim, é uma mistura da versão clássica com exercício funcional, sem desrespeitar nossos princípios”, diz a instrutora.
Silva optou por aulas em grupo limitadas a no máximo seis alunos, um em cada reformer. “Assim é possível que a gente acompanhe e auxilie cada um dos presentes”, justifica.
“Agora, a música, a intensidade e o senso coletivo dão outra vibe à aula”, acredita a professora, cujo estúdio já é frequentado por influenciadoras fitness.
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Um dos maiores responsáveis pela popularização das aulas de reformer por aqui foi o One Pilates, estúdio do grupo SmartFit focado apenas na modalidade e criado há um ano e meio.
“O pilates é um exercício muito relacionado à longevidade, que é uma grande tendência atual”, afirma Ana Carolina Corona, diretora do estúdio, que já possui quatro unidades em São Paulo.
“Antes, só as pessoas mais velhas buscavam isso, mas hoje os jovens de 20 já se cuidam para estarem bem aos 50. E o pilates se encaixa como uma luva, ainda mais associado à experiência proporcionada por nossas aulas”, diz.
Mercado aquecido
Nesse contexto, academias estão reservando espaços específicos para essa nova prática. Recentemente, a The Corner Sports and Health, em São Paulo, inaugurou uma sala dedicada ao método, trazendo diversos reformers de chão onde se fazem até movimentos de condicionamento cardiorrespiratório na aula.
“Dando pulos, mesmo deitados, conseguimos gastar mais calorias e trabalhar bem a musculatura inferior, agregando vantagens aos benefícios clássicos do pilates”, afirma o educador físico Luis Santana, coordenador da área de pilates da The Corner.
No Rio de Janeiro, uma academia que já surgiu com essa pegada foi a The Simple Gym. Ao lado da influenciadora fitness Manu Cit, quem comanda o espaço é o educador físico Ricardo Lapa, famoso por seu método de treino online.
“Eu nunca imaginei que iria voltar a investir numa modalidade física, mas o pilates veio para ficar”, relata. “Hoje ele é um pilar importante para a academia tracionar e se diferenciar. A geração Z ama o pilates e o novo estilo de vida relacionado a ele”, avalia.
“É verdade que tem gente que faz por causa das redes sociais, mas acaba se apaixonando e aderindo.” Lapa acrescenta que toda semana marcas de vestuário e outros produtos procuram a sala de pilates da The Simple Gym para tirar fotos, fazer eventos e se associar aos instagramáveis movimentos praticados lá.
Aliás, grifes como a californiana Alo ou a canadense Lululemon, que nasceram focadas em roupas para ioga, hoje também têm no pilates um foco importante, e suas influenciadoras foram precursoras em divulgar o método como algo bacana para os jovens.
No Brasil, a tradicional marca Track&Field não focou apenas no hype, mas também na tecnologia e no conforto, lançando uma malha específica e voltada a praticantes da modalidade.
“Muitos movimentos do pilates exigem alongamento e amplitude. A ausência de costuras laterais que podem causar atrito, como oferece a nossa tecnologia, proporciona maior liberdade de execução”, afirma Adrinée Debeliam, chefe de estilo e produtos da empresa.
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Reformer desvendado
O criador do pilates já acreditava que, com esse aparelho, era possível reformar o corpo inteiro
Origem
Foi o primeiro aparato criado por Joseph Pilates, ainda durante a Primeira Guerra Mundial — a patente data de 1924. Era originalmente uma cama adaptada para reabilitação.
Funções
O aparelho permite movimentos tridimensionais e progressivos que trabalham força, resistência muscular, flexibilidade, mobilidade articular, postura, alinhamento…
Fluidez e graça
Boa parte dos exercícios no reformer tem nomes que evocam animais, pois Pilates era muito influenciado pela observação do movimento natural de bichos como gatos, cisnes e focas.
Do fitness ao clássico: há espaço para todos
Diante do fenômeno do pilates fitness, surgiu — como sempre acontece nas redes — a discussão se ele poderia mesmo ser considerado uma vertente de pilates. Vídeos de instrutores gringos debatendo prós e contras viralizaram. E dúvidas pairam no ar.
“O pilates clássico enfrenta um certo desafio comercial, pois a maioria das pessoas quer práticas intensas, dinâmicas e resultados rápidos”, analisa Roble.
O professor da Unicamp alega que, na visão dele, o mundo ideal não seria misturar modalidades, mas sim somar: em outras palavras, alternar a prática de exercício funcional com a de pilates, não fazer os dois juntos.
Outros especialistas, no entanto, ponderam que as aulas de reformer são uma evolução natural do método — e que há espaço para todos.
“Quando ligam pedindo sessões para reabilitação no estúdio de reformer, eu informo que ali não há essa indicação. Que se conseguirá mais resultados nos meus estúdios de pilates clássico”, ilustra Silva. A meta é individualizar.
Mas, mesmo com essa moda toda, se engana quem pensa que o método original ficou para trás. Pelo contrário: a Pure Pilates, maior rede de franquias da modalidade na América Latina, está em plena expansão.
“A procura só cresce. Hoje temos mais de 370 unidades pelo país e devemos encerrar o ano batendo 400”, conta Douglas Paiva, um dos fundadores da companhia, que fatura cerca de 100 milhões de reais ao ano.
“O método clássico sempre esteve alinhado aos princípios do bem-estar. E isso é percebido pela nossa crescente presença em plataformas como Wellhub: mais de 40 mil clientes vindos de lá fazem aulas conosco”, conta.
No fim, em um mundo no qual o sedentarismo ainda é majoritário, o importante é se mexer — independentemente da moda.
De forma mais lenta ou rápida, em pé ou deitado, à base de música ou não, com dedicação seu corpo pode entrar no ritmo que deixaria até Joseph Pilates orgulhoso.
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