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A bióloga brasileira que descobriu uma doença rara e influencia o mundo

A paulistana Silvana Santos foi a principal responsável pela identificação da síndrome de Spoan, que atinge dezenas de famílias no Nordeste

Por Larissa Beani Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 jan 2025, 19h05 - Publicado em 9 jan 2025, 14h13
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A bióloga brasileira Silvana Santos foi selecionada como uma das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo em 2024 (Mariana Castineiras/Divulgação)
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Poucos profissionais podem colocar no currículo a descoberta de uma nova doença. A bióloga Silvana Santos, professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), alcançou esse feito, encontrando a causa de uma condição rara que afeta dezenas de famílias no Brasil e já foi identificada até no Egito. 

Por isso, ela foi nomeada pela BBC como uma das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de 2024.

A cientista apareceu na lista ao lado de mais duas brasileiras, a ginasta Rebeca Andrade e a ativista pelos direitos das prostitutas Lourdes Barreto. Também foram selecionados nomes como Nadia Murad, ativista iazidi e vencedora do Prêmio Nobel da Paz, e Gisèle Pelicot, francesa vítima de estupros, cujo caso espantou o mundo em 2024.

Ao longo de 25 anos de pesquisa em uma comunidade no interior do Rio Grande do Norte, Silvana coordenou estudos que foram capazes de identificar a mutação genética por trás de uma doença chamada Spoan, sigla em inglês para “paraplegia espástica, atrofia óptica e neuropatia”.

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Trata-se de uma síndrome que nunca havia recebido atenção da ciência. “Ela ocorre quando a pessoa herda do pai e da mãe uma mutação no gene KLC2“, explica a bióloga. “A condição costuma se manifestar ainda na juventude, com o aparecimento de um ‘balanceio’ nos olhos [chamado nistagmo] e de rigidez nas pernas.”

Contrações involuntárias nos membros inferiores vão fazendo com que a pessoa perca a capacidade de andar e passe a precisar de cadeira de rodas para se locomover. Com a evolução do quadro, os nervos dos braços e das mãos também são afetados por espasmos e enrijecimento.

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Por esse motivo, a doença leva a deformidades, problemas de fala e torna a pessoa dependente para atividades básicas — mas não tira o brilho dos olhos de quem convive com ela.

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Em 2008, a cientista colaborou com a produção do minidocumentário Flores que Murcham, no qual pacientes com Spoan relatam seu cotidiano e compartilham seus planos para o futuro, como ter filhos e fazer faculdade. A gravação fez parte do projeto Revelando os Brasis, do Ministério da Cultura.

Hoje, os pesquisadores dão aconselhamento genético à população e se mobilizam para garantir que os pacientes tenham acesso ao tratamento com fisioterapia para melhorar sua qualidade de vida e aliviar dores.

Não há cura para a doença, mas, mesmo assim, a vida na região tem sido transformada pela atuação dos cientistas. Tudo graças a uma conversa de Silvana com uma vizinha.

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Origens

Nascida e criada em São Paulo, Silvana viveu sua infância e adolescência em São Miguel Paulista. Nas bibliotecas do bairro da zona leste, a cientista foi cultivando, desde pequena, o interesse pela biologia e pela docência.

“Uma vez peguei, por acaso, os livros traduzidos da coleção Biological Science Curriculum Study, que tratavam da evolução de forma muito interessante e, de certa forma, me fisgaram para essa área”, recorda.

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Em 1989, ingressou no curso de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (USP). “Lá, desde o início, éramos muito estimulados a trabalhar nos laboratórios e a fazer iniciação científica. Recebi bolsa da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e me dediquei à genética”, narra.

Formou-se em 1993 e, no ano seguinte, ingressou no mestrado na mesma instituição. Em 1999, defendeu uma dissertação sobre o ensino da evolução biológica em sala de aula. Foi entre a conclusão dessa pesquisa e o início do doutorado, também realizado na USP, que Silvana ficou sabendo da comunidade de pacientes no Nordeste.

“Eu era vizinha de uma família que me contou de uma cidade onde haviam muitos casos de uma paraplegia com características únicas e sem explicação. As pessoas acreditavam que aquilo era fruto de uma transgressão de um ancestral comum e eu fui para lá com a esperança de dar uma explicação genética”, conta Santos.

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Serrinha

Serrinha dos Pintos fica localizada no interior do Rio Grande do Norte, a cinco horas da capital do estado, Natal. Tem uma população de cerca de 4,6 mil habitantes, dos quais um terço está envolvido em um relacionamento consanguíneo.

As relações entre parentes aumentam o risco de doenças raras, já que as mutações familiares permanecem sendo passadas às novas gerações, sem que haja muita variação e diversidade no material genético.

“É algo cultural e, por isso, damos aconselhamento genético para que as pessoas saibam se elas têm a mutação e qual é a probabilidade de cada casal ter filhos com Spoan”, conta Silvana. Hoje, a fertilização in vitro é uma opção para casais que querem prevenir a doença.

Esse trabalho começou em 1999, quando a bióloga chegou à cidade com outros membros do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco da USP. A primeira etapa do projeto consistiu em entrevistar pacientes e familiares para caracterizar a doença, além de coletar amostras de sangue para analisar o material genético.

Em 2005, os cientistas publicaram, no periódico americano Annals of Neurology, o artigo que deu nome e cara à doença. Na época, haviam descoberto que o Spoan era causado por mutações no cromossomo 11. Os cromossomos são estruturas que guardam o nosso DNA, mas não foi possível saber qual gene daquele trecho estava envolvido na doença.

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Em 2008, Santos se tornou docente da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), de onde acompanha, ainda mais de perto, os casos em Serrinha e arredores.

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Avanços científicos

No início dos anos 2000, o sequenciamento completo do DNA humano era uma técnica extremamente cara, que chegava a custar um milhão de dólares. Com o avanço da tecnologia, o procedimento ficou cada vez mais acessível, e hoje está na casa das centenas de dólares.

Graças a isso, uma década depois da identificação do cromossomo atingido, a equipe de Silvana conseguiu identificar o gene que, mutado, provoca a doença.

“No início das nossas pesquisas, estávamos procurando a alteração na região codificadora dos genes, que é a responsável por transcrever a ‘receita’ das proteínas que vão manter o funcionamento do nosso corpo. É onde a maioria das mutações está”, justifica a bióloga.

Mas uma análise mais completa mostrou que a anomalia estava presente na região reguladora, que coordena a expressão, ou a atividade, dos genes. Mudanças na região regulatória do gene KLC2 fazem com que ele produza em excesso uma proteína chamada cinesina. Esse desequilíbrio na produção é o que causa da síndrome de Spoan.

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Publicada em 2015, na revista Human Molecular Genetics, essa descoberta é essencial para o desenvolvimento de terapias que, no futuro, possam conter a progressão da doença ou até mesmo curá-la.

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Planos para 2025

Com a descoberta da mutação, foram identificados em torno de 70 casos da doença no Brasil (nos estados do RN, Paraíba, Ceará, São Paulo e Rio Grande do Sul).

“A maioria dos pacientes tem descendência europeia, o que nos leva a acreditar que a mutação chegou à região Nordeste pela colonização de portugueses e holandeses “, explica a bióloga.

No exterior, foram identificados dois casos no Egito, com particularidades descritas em um artigo publicado em 2021 na BMC Neurology. Isso não significa que não haja mais casos ao redor do mundo, apenas que o diagnóstico não está chegando a todos.

Mas as novidades desse projeto, que já existe há duas décadas, não acabam. Neste ano, será iniciada uma ação que facilitará o acesso à fertilização in vitro a casais portadores da mutação. “É uma forma de selecionar embriões saudáveis e prevenir o desenvolvimento da doença”, afirma Santos.

Além disso, a pesquisadora não deixa de sonhar, junto com os pacientes, com a cura da síndrome. “O objetivo é, também, conseguir recursos para que possamos desenvolver estratégias para melhorar a qualidade de vida de quem convive com a Spoan”, conclui Santos.

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