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Aprovado 1º remédio contra PAF, doença confundida com hanseníase

A polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) é rara, porém mais prevalente aqui do que em outros países. E agora suas vítimas têm uma droga para enfrentá-la

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 26 abr 2019, 17h18 - Publicado em 9 nov 2016, 14h39
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  • Uma mutação genética que acometeu um português azarado do século 14 deu origem à polineuropatia amiloidótica familiar, também chamada de PAF. Por meio de seus descendentes, essa enfermidade se espalhou por terras lusitanas, entrou nas caravelas durante a época das Grandes Navegações e desembarcou no nosso país junto com os colonizadores. Apesar do longo histórico, só nesta semana foi aprovada no Brasil uma medicação que de fato retarda a progressão do problema, associado a dores, perda de sensibilidade, alterações gastrointestinais e complicações renais e cardíacas.

    Mas, antes de falar dessa nova opção terapêutica, cabe entender a PAF, complexa a começar pelo nome. “A palavra ‘polineuropatia’ indica se tratar de uma doença que atinge diversos nervos pelo corpo”, ensina o neurologista Acary Bulle, da Universidade Federal de São Paulo. “Já o termo ‘amiloidótica’ se refere ao acúmulo de substâncias amiloides nos nervos. São elas que provocam os estragos”, completa o especialista, também vinculado à Academia Brasileira de Neurologia. E, como a doença vem de uma mutação que passa de geração para geração — a probabilidade do filho de um portador manifestar sintomas é de 50% —, ganhou a alcunha de polineuropatia amiloidótica familiar.

    Em resumo, o fígado desses pacientes produz uma versão instável da proteína transtirretina (TTR), que em condições normais serve para transportar partículas importantes de um canto para o outro do corpo. Ocorre que, nessas condições, a tal TTR se quebra com facilidade, gerando pequenas moléculas que se alojam em diferentes tecidos do organismo, com destaque para os nervos periféricos. Em geral, os primeiros sinais aparecem na segunda ou terceira década de vida. “A PAF tende a começar com uma menor sensibilidade nos pés. O indivíduo não sente um machucado, apresenta queimaduras e por aí vai”, introduz Bulle. Essas lesões, aliás, fazem-na ser confundida com a hanseníase (a popular lepra).

    Com o tempo, o sintoma se estende para as pernas e os braços. Daí em diante, dores sem motivo aparente dão as caras, assim como diarreia e outras alterações gastrointestinais. Rins e coração também podem ser atingidos, o que põe a vida em risco. Sem tratamento adequado, estima-se que a pessoa viva, em média, mais dez anos após o início das manifestações clínicas. Boa parte dos sujeitos afetados precisa de auxílio para caminhar após cerca de cinco anos.

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    Até então, a única forma de retardar o avanço dessa condição era por meio de um transplante hepático. “O curioso é que o fígado do paciente com PAF pode ser repassado para outra pessoa sem a mutação. Isso coloca essa turma nas primeiras posições da fila por um transplante”, diz Bulle. Mesmo assim, o procedimento não cura a chateação — com o tempo, o acúmulo de proteínas amiloides volta a ocasionar danos. Sem contar que o transplante (e o tratamento necessário para que ele funcione) causa efeitos colaterais, que incluem uma baixa na imunidade.

    Daí a importância da nova droga, que atende pelo nome de tafamidis. Comercializada pela farmacêutica Pfizer, ela impede que a TTR se quebre e forme aquelas substâncias problemáticas. Na prática, os sintomas são controlados e o ritmo de progressão da PAF é diminuído consideravelmente, como mostrou uma pesquisa recente apresentada no 27º Congresso Brasileiro de Neurologia, em Belo Horizonte. Além disso, o medicamento reduziu o risco de perda de peso não intencional, uma consequência dos distúrbios gastrointestinais. “Estamos falando de um comprimido oral que deve ser tomado diariamente entre quem começou a apresentar sintomas. Além da praticidade, ele é seguro”, analisa Bulle.

    Leia também: Você sabe o que SHUa?

    Aprovado faz pouco tempo no Brasil, o fármaco está disponível desde 2011 na União Europeia. Por ser uma terapia nova, restam dúvidas sobre ela e sua real eficácia entre a população brasileira, mais miscigenada em comparação com a portuguesa. “Parece haver uma mudança positiva na progressão da PAF com o uso de tafamidis. Mas vamos encontrar respostas mais certeiras com o passar dos anos”, completa. Atualmente, ela vem sendo receitada mesmo entre pacientes transplantados.

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    Da origem ao diagnóstico

    Nossa relação histórica com os portugueses torna essa opção ainda mais relevante por aqui. “O Brasil abriga um número de descendentes de portugueses superior ao total de habitantes de Portugal”, apontou Eurico Correia, diretor médico da Pfizer, em um comunicado. Ou seja, provavelmente estamos entre os países com maior número de vítimas da PAF. Tanto que, desde o ano passado, ela foi incluída na lista de doenças raras prioritárias de discussão no governo brasileiro. Embora não exista um levantamento confiável de sua prevalência em terras verde-amarelas, estima-se que de um a dois brasileiros a cada 100 mil sofram com o problema.

    Contudo, além do tratamento em si, precisamos garantir um melhor diagnóstico. “Já existem exames genéticos que flagram a mutação, mas eles são relativamente caros e não estão disponíveis no sistema público”, alerta Bulle. Uma pena! Indicados quando alguém manifesta sintomas suspeitos, eles agilizam o diagnóstico — o que é crucial para amenizar os estragos — e evitam uma bateria de outros testes que são receitados para chegar a um veredicto confiável. “No fim das contas, é provável que o exame genético até economize dinheiro dos cofres públicos”, arremata. Fora isso, os profissionais de saúde devem ficar mais atentos para os possíveis sintomas da PAF de modo a evitar que o paciente saia do hospital com um diagnóstico errado. Essas precauções, associadas ao novo medicamento, trazem um cenário mais positivo para os pacientes.

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