Durante muito tempo a osteoporose e a osteoartrite eram conhecidas como as doenças mais comuns associadas ao envelhecimento – a preocupação era chegar à velhice com uma boa saúde dos ossos.
Nos últimos anos, com o aumento da expectativa de vida, a perda de massa e de função muscular passaram a receber mais atenção por juntas serem responsáveis pela sarcopenia, um problema que atinge essas funções e é muito frequente em idosos.
A sarcopenia afeta a qualidade de vida e até a independência dos pacientes, que passam a sentir mais fraqueza muscular, ter menos resistência, menos equilíbrio e dificuldades para realizar tarefas básicas do dia a dia. Isso também aumenta os casos de institucionalização de longa permanência (casas de repouso, asilos ou abrigos) e tem impacto direto na mortalidade.
Há vários exames que podem diagnosticar a sarcopenia. É possível avaliar a função dos músculos dos membros superiores e inferiores por meio de testes funcionais e medir a massa muscular por meio de exames como bioimpedância, tomografia, ressonância, ultrassom e Dexa (de composição corporal).
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Uma das formas de avaliação é bem simples: trata-se da medição da força das mãos ao apertar um equipamento chamado dinamômetro – um aparelho portátil, acessível, capaz de medir e identificar a capacidade muscular da pessoa.
A teoria é que se o paciente está perdendo a força muscular de uma forma geral, isso vai se refletir na força das mãos e, a partir daí, esse seria um primeiro sinal de que outros exames são necessários para um diagnóstico adequado.
O conceito de sarcopenia, no entanto, tem sido alterado nas últimas décadas. Em 2010, o consenso do Grupo de Trabalho Europeu de Sarcopenia em Pessoas Idosas (European Working Group on Sarcopenia in Older People) considerava que o diagnóstico deveria começar com a avaliação da velocidade da marcha do idoso, seguida da avaliação da força e da massa muscular.
Uma revisão publicada em 2019 – e por enquanto a mais atual – mudou esse consenso e passou a indicar que o diagnóstico de sarcopenia ocorresse a partir de outro fluxo de avaliação, colocando a força como primeiro item a ser analisado, seguida da massa muscular e, por fim, da velocidade da caminhada do idoso.
Nesse documento, os pesquisadores estabelecem que o diagnóstico deveria ser estabelecido quando a força muscular dos homens for menor do que 27 quilos e, no caso das mulheres, menor do que 16 quilos.
Aumento da força mínima palmar
Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em parceria com colegas da University College London (UCL, Reino Unido), estão sugerindo mudar o protocolo de diagnóstico, aumentando a força mínima palmar considerada normal de 27 para 36 quilos em homens e, em mulheres, de 16 para 23 quilos. Dessa forma, acreditam os cientistas, seria possível diagnosticar a doença mais precocemente, promover intervenções antecipadamente e reduzir o risco de morte em idosos.
Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e um dos autores da nova proposta de diagnóstico, explicou que o estabelecimento desses novos valores levou em consideração um amplo estudo do grupo, que comparou todos os pontos de corte propostos em pesquisas anteriores sobre o tema.
O trabalho da equipe envolveu a análise de um banco de dados de 6.182 britânicos com 60 anos ou mais que foram acompanhados durante 14 anos em um estudo longitudinal conduzido na Inglaterra. Os resultados foram divulgados na revista Age and Ageing, a mesma que publicou o consenso atual.
Segundo Alexandre, o estudo do grupo concluiu que quando o valor de referência da força palmar aumenta, há impacto direto no aumento da mortalidade: aumento de 30% no risco de morte para aqueles idosos com provável sarcopenia (quando só há a perda da força); 48% mais risco de morte entre aqueles diagnosticados com a doença (quando há perda de força e de massa muscular) e aumento de 78% no risco de morte entre os idosos com a versão grave (quando além da perda de força e de massa, também há redução na velocidade da caminhada).
Alexandre frisa que o aumento do risco de mortalidade foi por todas as causas e ocorre independentemente de outros fatores como idade, hábito de fumar, consumo de bebida alcoólica, estado civil, nível de atividade física, obesidade, doenças crônicas, entre outros.
“Os resultados mostram que a sarcopenia, sozinha, é um fator de risco de morte para o idoso. A ideia desses novos valores de referência é detectar esse risco o mais precocemente possível para que as intervenções ocorram o quanto antes, como mudanças na dieta [com possível suplementação proteica para melhorar a quantidade de massa muscular] e a indicação de exercício de força resistida [musculação]”, destacou.
Ainda segundo Alexandre, o impacto das novas notas de corte propostas pelos pesquisadores é grande e deve afetar as estatísticas de prevalência da doença na sociedade. De acordo o professor, os dados mais recentes (referentes à nota de corte para diagnóstico estabelecida no consenso de 2010) estimam uma prevalência de 7,5% de sarcopenia entre pessoas de 60 a 69 anos; 20% entre os de 70 a 79 e chegando a 45% nos idosos com 80 anos ou mais.
“Com as notas de corte mais altas, os índices de prevalência da doença vão aumentar e mais pessoas precisarão ser triadas. Consequentemente, se tornará possível identificar a sarcopenia muito antes de a condição representar um risco de morte, melhorando a prevenção e o tratamento precoce”, afirma Alexandre, que acrescenta que em breve o grupo deve publicar um novo estudo com dados específicos da população brasileira.
Junichiro Sado Junior, ortopedista do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia, destaca que a população está envelhecendo e por isso é cada vez mais comum essa preocupação com a autonomia do idoso e a saúde muscular.
“É muito importante que haja essa discussão porque as pessoas precisam se familiarizar com esse conceito. A expectativa de vida está cada ano maior e é preciso envelhecer com qualidade de vida”, diz o médico.
Junior ressalta a importância da prevenção e de termos uma reserva muscular para envelhecermos com saúde. “Podemos traçar um paralelo com a osteoporose. Sabendo que isso [sarcopenia] vai acontecer um dia, a pessoa precisa fazer ‘poupança muscular’, assim como faz uma ‘poupança óssea’ para prevenir a osteoporose. É fundamental trabalhar isso desde a juventude para chegar com a maior reserva muscular possível na velhice, principalmente depois dos 40 anos”.
*Esse texto foi publicado originalmente na Agência Einstein.