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Transplante de medula se consolida como tratamento para esclerose múltipla

Procedimento é indicado a quem não tem melhora com tratamentos farmacológicos; doença autoimune e neurodegenerativa atinge ao menos 40 mil brasileiros

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein*
30 Maio 2023, 13h04
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  • Estudado como opção terapêutica para doenças autoimunes há mais de 20 anos, o transplante de medula óssea se consolidou como uma alternativa segura e eficaz para pacientes diagnosticados com esclerose múltipla – uma doença autoimune, neurodegenerativa, inflamatória e crônica, em que o sistema imunológico destrói a bainha de mielina (capa) protetora dos nervos, podendo levar à paralisia e até a morte.

    No dia 30 do mês de maio é comemorado o Dia Mundial da Esclerose Múltipla, com o objetivo de conscientizar a população sobre a doença.

    Mais de 2 milhões de pessoas no mundo vivem com esclerose múltipla, sendo que ao menos 40 mil estão no Brasil, segundo estimativas da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla.

    A doença costuma se manifestar na idade adulta jovem e pode causar incapacidades neurológicas graves, com repercussão social e econômica para o doente.

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    O tratamento é feito com medicamentos de alto custo que atuam com o objetivo de aumentar o espaço entre os surtos, mas sem eliminar a doença.

    O problema é que cerca de 10% a 15% dos pacientes são refratários, ou seja, não respondem bem aos tratamentos farmacológicos existentes, e sua condição de saúde só piora ano a ano.

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    É exatamente para esses casos que o transplante de medula está indicado e consolidado.

    Existem dados de remissão total da doença a longo prazo, de cinco a dez anos sem uso de qualquer medicação. Mas ainda assim não podemos falar em cura”, afirmou o hematologista Nelson Hamerschlak, coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein e um dos principais estudiosos do tema.

    O registro europeu de transplante de medula óssea, por exemplo, publicou um relatório em que apontou que a esclerose múltipla foi o diagnóstico de metade dos pacientes transplantados por causa de doenças autoimunes (1.415 de um total de 2.809 pacientes) em 2019.

    No Brasil, apesar de a terapia ser estudada há mais de 20 anos, foi somente em 2021 que passou a ser reconhecida como opção para o tratamento da esclerose múltipla e de outras doenças autoimunes (esclerose sistêmica e doença de Chron) pela Sociedade Brasileira de Transplantes de Medula Óssea e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

    + Leia também: Transplante de medula óssea: mitos, verdades para que serve

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    Por aqui, estima-se que, nos últimos 20 anos, ao menos 250 procedimentos foram realizados.

    “Creio que ainda fazemos poucos transplantes em parte pelo desconhecimento de alguns neurologistas, em parte pela atratividade dos novos fármacos disponíveis”, avalia Hamerschlak.

    Estabilização da doença

    Os resultados dos diversos estudos realizados sobre o tema mostram não só a estabilização da função neurológica, mas também uma tendência de recuperação das funções perdidas em boa parcela de doentes que receberam o transplante autólogo de células-tronco.

    Segundo Hamerschlak, o racional desta terapia é poder usar altas doses de quimioterapia com a função de baixar a imunidade efetivamente e depois usar as células-tronco do próprio paciente para repovoar a medula óssea.

    “O transplante de medula óssea tem se mostrado uma ferramenta importante na indução de uma reconstituição imunológica ‘imunotolerante’. Inúmeros trabalhos foram publicados, alguns mostraram a superioridade do transplante em comparação com o uso da terapia farmacológica”, afirmou.

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    Se você não parar a doença, a doença vai te parar

    O engenheiro agrônomo Caio Henrique Claudino, de 32 anos, é um dos pacientes que se submeteu ao transplante de medula óssea como alternativa de tratamento da esclerose múltipla.

    Por não conhecer a doença, Claudino passou anos convivendo com os sinais da esclerose sem perceber – de fortes dores nas costas até dificuldades de mobilidade em uma das pernas.

    Para ele, a dor era resultado de uma possível hérnia de disco, o que chegou a ser confirmado por um ortopedista.

    + Leia também: Precisamos ampliar a diversidade entre os doadores de medula óssea

    Quando os sintomas pioraram, Claudino foi buscar ajuda com um neurocirurgião, que o encaminhou para um neurologista clínico. O diagnóstico veio em novembro de 2021, depois de uma ressonância magnética, e deixou o engenheiro assustado.

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    “Eu era uma pessoa jovem, ativa, e estava me deparando com meu corpo parando de funcionar. Tive medo de não conseguir mais fazer as coisas. Fiquei perdido, sem rumo”, conta.

    Claudino decidiu ouvir outras opiniões, mas havia divergência entre os profissionais.

    “O primeiro médico me disse que a doença era inicial e que os remédios resolveriam. O segundo médico falou que a doença estava em estágio avançado, que eu só ia piorar e poderia ficar numa cadeira de rodas”, lembra o engenheiro.

    Os sintomas foram piorando conforme o tempo foi passando. Claudino começou com dificuldades de mobilidade na perna direita, passou a sentir fortes dores nas costas, a ficar com a visão turva, sentir sensibilidade, queimação na pele, além de sofrer com episódios de incontinência urinária.

    Buscou ajuda com um terceiro neurologista, em São Paulo, especialista em esclerose múltipla. Só então conseguiu entender realmente a doença e iniciar o tratamento corretamente.

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    + Leia também: A busca desenfreada pela cura da esclerose múltipla pode virar golpe fatal

    “Nessa altura eu já estava com o corpo bastante enrijecido, travado. Antes de janeiro de 2020 eu já tinha sintomas que provavelmente eram sinais da esclerose, mas eu não sabia. Eu tinha formigamento nas pernas, mas me falaram que era ansiedade. Possivelmente era um ‘pseudosurto’ que não foi identificado”, conta Claudino.

    Por um ano Claudino tentou usar diferentes medicações, mas a doença continuava evoluindo, causando novas lesões no cérebro e na coluna. Diante desse avanço, o transplante seria a melhor opção.

    “Desde o começo doutor Rodrigo [Thomaz, neurologista] avisou que minha doença era agressiva, com um prognóstico ruim. “Ele me disse: ‘ou você para a sua doença ou a sua doença vai te parar’. Foi aí que eu tive a dimensão do que eu ia enfrentar. No meu caso o transplante era a única opção”, conta.

    Depois de avaliar os prós e os contras do transplante, decidiu se submeter à terapia.

    “Sei que cada caso tem uma indicação, pois cada corpo reage de um jeito. Decidi fazer o transplante para tentar fazer a doença estacionar, sem ter novos surtos e novos sintomas. Fui confiante, sem medo algum, estava certo de tudo o que eu ia passar”, conta. O procedimento foi realizado em abril deste ano e Claudino já está em casa.

    O engenheiro diz que ainda é cedo para avaliar os resultados, mas está entusiasmado com as conquistas alcançadas.

    “Eu espero e acredito que o transplante estabilize a doença e ela pare de progredir. Eu já vejo melhora em alguns sintomas depois do transplante: não sinto mais ardência na pele, não tenho mais visão turva e não sinto mais as dores neuropáticas. Isso para mim é um sinal de que está dando certo. Vou seguir com a reabilitação e tocar a vida o mais normal possível”, afirmou.

    Apesar dos bons resultados, o transplante ainda não é recomendado como primeira opção de tratamento por ser considerado um procedimento mais agressivo.

    “Mesmo sendo um procedimento seguro, com menos de 1% de mortalidade, o transplante é considerado mais agressivo se comparado a várias linhas de diferentes imunossupressores. E alguns pacientes que são tratados logo no primeiro surto podem se beneficiar desses tratamentos menos agressivos, inibindo as crises por anos”, finalizou Hamerschlak.

    *Esse texto foi publicado originalmente na Agência Einstein. 

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