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Viva a aveia!

Um dos símbolos da alimentação saudável e versátil que só, ela não para de surpreender os estudiosos pelos seus benefícios

Por Regina Célia Pereira
29 dez 2021, 14h55
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  • Na Roma antiga, havia uma celebração, a cerealia, que atravessava dias e noites. Além de ser uma forma de agradecimento pela abundância nas colheitas, a festança homenageava Ceres, a deusa da agricultura, que empresta seu nome aos cereais.

    O trigo, principal representante dessa família, ocupava o centro da mesa, ladeado pela cevada e o centeio. Já a aveia, feito uma prima renegada, costumava ficar de fora das comemorações. Passados milhares de anos, porém, hoje é ela que está sendo reverenciada.

    Tal qual enredo manjado, aquela que foi posta de lado passou a ser endeusada, especialmente no panteão da nutrição. E não sem motivos, como atestam pesquisadores e profissionais que atuam em hospitais e consultórios.

    O apelo da aveia se reflete no cultivo. Inclusive no Brasil. Em 2021, ocupamos o sexto lugar no ranking mundial de produtores e já somos autossuficientes — há algum tempo, ficávamos abaixo da décima posição.

    A ascensão tem a ver com a coleção de evidências sobre os efeitos do cereal na saúde. Uma história que não é de agora. A aveia é, na visão de alguns especialistas, o primeiro alimento a ter recebido a classificação de funcional. Ou seja, não bastasse nutrir, ele ajuda a baixar o risco de doenças.

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    “As regras para o registro de funcionalidades foram instituídas por aqui em 1999”, conta a médica Marcella Garcez, da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). No nosso país, quem dita as normas é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Tanto ela como os órgãos reguladores dos Estados Unidos e da Europa se renderam aos poderes de uma fibra da aveia, a betaglucana.

    “Não há dúvida sobre o papel dela na redução dos níveis de colesterol no sangue”, destaca a nutricionista Luciene de Oliveira, da Unidade de Cardiologia do Hospital São Paulo e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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    Além de blindar as artérias, a substância melhora o trânsito intestinal, dá mais saciedade e diminuiria a propensão a tumores. E acaba de sair do forno da ciência outro atributo: afastar o diabetes tipo 2. A conclusão vem de uma revisão de estudos realizada por pesquisadores da Suíça, da Turquia e da Austrália. Mais uma vez, é a betaglucana que surge como estrela principal.

    Por tantas virtudes, o ingrediente já foi parar no laboratório e tem sido isolado e encapsulado com a ideia de maximizar seus efeitos. Nesse formato, entretanto, perde-se a oportunidade de consumir outras preciosidades da aveia.

    Afinal, ela não é feita só de fibras. Tem vitaminas, tem minerais… Sem contar que degustar desde o mais singelo mingau feito com os flocos até pães, tortas e bolos elaborados com a farinha ou o farelo do cereal pode se transformar numa verdadeira festa ao paladar.

    aveia
    (Ilustração: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

    Ainda que pairem dúvidas sobre o berço natural da aveia, pistas arqueológicas apontam para a área conhecida como Crescente Fértil. “É o que hoje corresponde à região do Iraque, do Irã e da Turquia”, explica a engenheira-agrônoma Nadia Canali Lângaro, da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul.

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    Os ancestrais do vegetal começaram a se espalhar pelo mundo seguindo a domesticação do trigo. Eram considerados intrusos, quase ervas daninhas.

    Séculos se passaram até que povos que viviam ao norte da Europa notaram a adaptação da planta ao clima e a adotaram. Entrou na tigela dos escoceses na forma de porridge, um tipo de mingau.

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    Parte da colheita dos europeus, no entanto, ia parar direto no cocho dos cavalos. Aliás, mesmo atualmente, um belo percentual do que é cultivado pelo planeta se destina à alimentação de animais. Como se trata de uma gramínea — ela e todos os cereais, diga-se —, presta-se perfeitamente à pastagem e ao feno, sobretudo a chamada aveia-preta.

    A professora Nadia explica que existem diferentes espécies do gênero botânico batizado de Avena. A mais utilizada para o consumo humano é a aveia-branca, ou Avena sativa. A predileção tem tudo a ver com uma mistura harmoniosa de compostos.

    Para começar, ela encabeça o ranking de fornecedores de proteína entre os integrantes do seu clã e, assim como trigo, cevada, milho e centeio, concentra boas doses de carboidrato em forma de amido. É por essa razão que algumas dietas chegam a excluir a aveia.

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    Atitude bastante equivocada, inclusive para o controle do peso, como mostra um novo estudo publicado no periódico Critical Reviews in Food Science and Nutrition. “Trata-se de uma revisão que reuniu evidências recentes, mas já bem conhecidas”, comenta Marcella.

    Claro que esse apoio da aveia para emagrecer só funciona dentro de um contexto equilibrado. “E sem exageros nas porções, por favor”, frisa Luciene. A revisão citada coloca um ingrediente da aveia como particularmente vantajoso à regulação do apetite. Adivinhe qual é. Sim, a betaglucana.

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    Tarcila Campos, nutricionista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, esclarece que a fibra se liga à água e forma uma espécie de gel dentro do corpo, desacelerando a digestão e baixando o impacto na glicemia.

    “Ocorre uma modulação de alguns hormônios, caso da insulina, o que interfere nos disparos de sinais cerebrais envolvidos com a saciedade”, afirma. A mesma atuação justifica o papel preventivo diante do diabetes tipo 2 — em resumo, haverá menos açúcar perdido pelo sangue.

    Outro efeito de prestígio é a proteção cardiovascular. “As fibras solúveis contribuem para a excreção da bile, líquido proveniente da vesícula e que ajuda na digestão”, explica Juliana Alves Macedo, professora de engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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    O organismo, então, fica com um déficit de sais biliares e, para repor o que foi perdido, recruta a principal matéria-prima desses sais, o colesterol. O resultado é a redução dos níveis dessa molécula na corrente sanguínea.

    Para completar o serviço e se ver livre das placas de gordura pelos vasos, Juliana lembra que precisamos evitar a oxidação do LDL, a fração do colesterol ruim. É esse processo que dá o pontapé para a inflamação e o depósito de placas nas artérias, o que culmina em entupimentos.

    Mas a gente pode enfrentar essa ameaça ingerindo substâncias antioxidantes. A aveia já oferece algumas delas, caso da vitamina E e de um composto de nome sui generis, a avenantramida.

    Mas uma estratégia ainda melhor é combiná-la a outras fontes para potencializar essa ação. Morango, uva, maçã, mamão e uma porção de frutos esbanjam esses benfeitores e ficam perfeitos em vitaminas e mingaus.

    A sugestão da nutricionista Karla Maciel, consultora da Jasmine Alimentos, é escolher sua fruta preferida, acrescentar algum tipo de castanha, leite ou bebida vegetal, uma pitada de cacau em pó e deixar durante a noite na geladeira — uma preparação conhecida em inglês como overnight oats.

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    O que ela tem de especial

    As substâncias que fazem a aveia dar show

    A receita que passa a noite na geladeira — a aveia adormecida, em bom português — é inspirada numa invenção centenária do médico suíço Maximilian Bircher-Benner (1867-1939). Continua popular em sua terra natal, atendendo pelo nome de bircher muesli.

    É também o preparo predileto do pesquisador Ezra Valido, da Universidade de Lucerna, na Suíça, que acaba de publicar um trabalho a respeito dos impactos do cereal na microbiota intestinal.

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    “A fermentação das fibras ajuda a manter a população de bactérias responsáveis pela produção dos ácidos graxos de cadeia curta”, conta o médico de origem filipina. Algumas dessas moléculas zelam pela integridade das células do intestino e têm propriedades anti-inflamatórias.

    Camila Guazzelli Marques, nutricionista da Unifesp, explica, ainda, que certos ácidos graxos de cadeia curta participam da síntese de serotonina, um importante neurotransmissor.

    E, para manter o humor em alta, Karla acrescenta que o cereal fornece triptofano, um aminoácido que serve de matéria-prima à serotonina.

    “Para completar, a aveia também dispõe de melatonina, substância essencial para o nosso sono”, observa. Daí que uma tigela pequena de mingau quentinho, feito de farinha, flocos ou farelo, pode ser uma bela pedida antes de ir para a cama.

    Ficou em dúvida de qual seria o melhor formato? A nutricionista Juliana Peccin, da PepsiCo, afirma que as três versões oferecem a desejada betaglucana.

    Ingrediente único

    Mas será que outros cereais não ofertam tanta coisa boa? “Diferentemente dos demais tipos, os lipídios [as gorduras] estão distribuídos por todo o grão da aveia, não estão contidos em determinadas partes”, conta a professora Juliana Macedo.

    Além de apresentar uma mistura de gorduras benéficas, essa configuração, junto de outros fatores, dificulta a separação de certas frações. Assim, a estrutura tende a continuar íntegra e, no processamento, são preservados farelo, germe, endosperma e, por consequência, grande parte dos nutrientes.

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    Depois de colhidos, os grãos são lavados e se retira uma casca não comestível. Daí são aquecidos. “O processo térmico desativa enzimas envolvidas na oxidação”, explica Melissa Gomide Carpi, engenheira de alimentos da Jasmine. Além de conservar o alimento e seus trunfos, essa etapa o torna mais macio.

    Para obter o floco, a aveia é cortada em tamanhos diferentes — entre finos e grossos. “Os grãos passam por cilindros gigantes e saem laminados”, resume Melissa. Já a farinha resulta da moagem do cereal.

    Por fim, o farelo, que muitos consideram o mais valioso dos derivados, é retirado dessa trituração. “Como é extraído da camada externa do grão, possui uma concentração elevada de fibras”, nota a nutricionista Lara Natacci, que faz seu pós-doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

    Além dos estudos e do consultório, Lara se dedica às artes culinárias e se diz fã da aveia. “Ela pode entrar em bolos e tortas sem medo, não há perigo de desandar a receita se usada na medida certa”, assegura.

    O preparo de pães requer traquejo. Como a aveia não tem glúten — embora possa haver contaminação na lavoura ou na indústria pelo contato com outros cereais, um aviso aos celíacos —, a massa pena para crescer.

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    Conta-se que, na Idade Média, o pão feito de aveia, bem rústico, era servido à plebe, enquanto a nobreza apreciava o de trigo. A dica é misturar as duas farinhas.

    Marcela Garcia, chef de cozinha do time de pesquisa da PepsiCo, sugere ir além do café da manhã: “A aveia pode estar presente nas mais diversas aplicações e refeições”.

    Um incremento a uma receita bem brasileira é ensinado por Camila Marques: “Que tal incluir no prato de arroz e feijão, fazendo o papel de uma farofinha de acompanhamento?” Haja versatilidade!

    Colheita de benesses

    Estudos reforçam o papel da aveia na manutenção da nossa saúde

    Festa na cozinha

    Graças ao sabor mais neutro, cada versão da aveia pode compor as mais diversas receitas doces e salgadas

    E o leite de aveia?

    Com a crescente adesão aos cardápios vegetarianos, muita gente tem optado por tomar bebidas vegetais em vez do leite. “A de aveia vai bem no preparo de vitaminas de frutas”, indica a nutricionista Lara Natacci.

    Para alcançar o mesmo teor de nutrientes do alimento vindo da vaca, as marcas andam incrementando as fórmulas. “Um dos ingredientes que costumam ser usados é um tipo de cálcio extraído de algas marinhas”, exemplifica a engenheira de alimentos Melissa Carpi, da Jasmine.

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